O desconhecido é intimidante e assustador. As pessoas tendem a temer o que desconhecem, ainda que se trate de algo, a princípio, positivo ou benéfico.
É mais fácil e mais seguro nos refugiarmos junto do que já sabemos e conhecemos. É mais confortável nos limitarmos às nossas verdades e certezas, daí que raramente se nos atrevamos em correr riscos.
Dificilmente tomamos decisões que possam perigar a estabilidade do nosso edifício.
Será certamente por estas razões que poucas pessoas ousam empreender, pois se trata de uma atividade arriscada, desafiante e imprevisível, prova disso é o facto de que mais de 80% de todos os negócios tendem a não vingar.
É mais confortável ser funcionário do que empresário, embora custe mais caro a primeira opção do que a segunda.
Quantas pessoas não demonstram relutância ante a ideia de, por exemplo, viver em outra província?
Até viver em outro bairro ou simplesmente em outra rua. Não estamos dispostos a abandonar as pessoas que conhecemos e amamos, a nossa casa, os restaurantes que gostamos, o clima a que estamos habituados ou a nossa comunidade eclesiástica.
É natural que se apresente objeção a uma realidade alternativa onde a gente não exerce domínio, onde as coisas são novas e desconhecidas, onde subitamente nos configuramos aprendizes, uma realidade que nos desloca, pondo-nos no lugar daquele que pede direções para chegar a certo destino e nos tira do lugar confortável a que estamos habituados que é o de fornecê-las a outrem.
De acordo as Bíblias Hebraica e Cristã, a primeira ordem de Deus a Abraão foi que este abandonasse a sua terra nativa e os seus familiares e fosse à terra que lhe seria revelada. Abraão fê-lo sem objeções.
Talvez por esta razão seja considerado pelas chamadas religiões abraâmicas como “pai na fé”, porque a primeira reação instintiva humana ante tal ordem seria a de dúvida e resistência, ainda que a um nível mínimo, a exemplo da mulher de Lot, e não de total e instantânea obediência.
O facto é que à excepção de algumas pessoas, maior parte de nós gosta de viver no país, cidade, bairro e casa onde nasceu e cresceu, pelo que não há nada de anormal nisso.
São locais onde construímos as mais belas memórias junto daqueles que mais amamos e a ideia de abdicarmos de tudo o que nos remete a elas é um facto que aterroriza-nos. Segundo dados apresentados pelo canal de notícias Europeu “Euronews”, mais de 20 mil imigrantes perderam a vida no Mar Mediterrâneo, na tentativa desesperada de chegarem ao chamado “velho continente”, dentre os quais crianças, mulheres e idosos.
É uma estatística alarmante e, infelizmente, com uma alta taxa de crescimento. É impossível não nos sentirmos consternados com tais relatos, tendo em conta uma miríade de razões.
A primeira sendo o facto de que são vidas humanas que se perdem dia após dia.
A segunda atém-se ao facto de que podíamos ser nós ou pessoas próximas sendo forçadas a enfrentar esta realidade lúgubre.
A terceira e possivelmente mais grave tem a ver com o facto de que se ontem os nossos ancestrais eram raptados para Europa e às Américas em navios negreiros contra a sua vontade, hoje são os seus filhos que o fazem de forma voluntária.
Os nossos antepassados eram jogados pela borda fora quando, vencidos pela longa e fastidiosa viajem e condições desumanas a que eram submetidos, perdiam a vida.
Hoje, os seus filhos passam por um processo semelhante quando as embarcações frágeis em que se colocam às centenas e milhares acabam por naufragar. Warsan Shiree é uma escritora, poeta, editora e professora britânica de ascendência Somali.
No seu poema que tem como título “Home”, ela faz a seguinte observação: ninguém abandona a sua casa a menos que esta se torne a boca de um tubarão; tu só corres pra fronteira quando percebes que toda a cidade o faz também; ninguém abandona a sua casa a menos que ela se torne uma voz suada nos seus ouvidos dizendo: vá, fuja de mim agora.
Não sei no que me tornei, mas sei que qualquer sítio é mais seguro do que aqui. Nascida em uma família de imigrantes, a escritora cresceu ouvindo histórias dos seus familiares sobre os dramas que compõem a vida de um refugiado.
Podemos apontar várias razões que levam famílias inteiras a optarem por um caminho tão difícil, incerto e fatídico. Há quem o faça por razão de catástrofes naturais como foi o caso do recente terremoto de magnitude 6,8 em Marrocos e as inundações na Líbia, fenómenos que amplificam sobejamente a problemática da migração pra Europa via Mar Mediterrâneo. Contudo, as catástrofes naturais não são o principal factor e propulsor desta problemática.
A principal razão desta crise reside no elevado número de conflitos armados existentes um pouco por todo o continente Africano. Segundo dados da alemã DW referentes ao ano de 2022, existem em África mais de 35 conflitos armados activos. Estes conflitos são a causa directa do desaparecimento de mais de 64 mil pessoas. Destas, 40% são crianças.
Discursando a respeito das misérias de África, o escritor Moçambicano Mia Couto refere que “fomos empobrecidos pela História. Mas nós fizemos parte dessa História, fomos também empobrecidos por nós próprios”.
O autor conclui o seu raciocínio admitindo o seguinte: “A razão dos nossos actuais e futuros fracassos mora também dentro de nós.”. De facto, ontem os nossos antepassados eram levados de África forçadamente pelos outros.
Hoje os Africanos fogem do continente forçadamente por causa de nós próprios. Há que se dar a mão à palmatória. Isto acontece não só por causa dos conflitos armados, mas também por causa da fome, das crises económicas e da existência de certos regimes tiranos e despóticos que asfixiam as aspirações do seu eleitorado.
Precisamos de líderes verdadeiramente comprometidos com a resolução dos problemas e necessidades do povo. Líderes africanos que amam África e os seus filhos. Africanos morrendo em naufrágios no Mediterrâneo desesperados para chegar a Europa, imbuídos da certeza de que ficarão melhores na terra dos outros do que na sua própria terra, é no mínimo aviltante.
Trata-se de um fenómeno desconcertante porque quem o faz, fá-lo contra a sua vontade e porque não vislumbra opção melhor no horizonte, pois, como a escritora Warsan Shiree um dia referiu: ninguém põe o seu filho em um barco a menos que a água seja mais segura do que a terra.
Eis a minha maior preocupação: estes filhos que se vão, são cérebros que ajudariam a alavancar o desenvolvimento da África que tanto aspiramos.
Por: EDUARDO PAPELO