O dia começou-me nos pés. Fui levado pela sua corida. Kibala, terra de olhos alegres e braços acolhedores, aguardava pela minha chegada.
Já na paragem do Ti Show para pegar o trasporte que poderia realizar a tão esperada viagem.
Olhos vagueavam por todo canto.
Fixava a senhora que entoava o seu hino enquanto preparava a magoga dos seus clientes, o lotador, banhado pelo calor infernal de Luanda, soltava o cântico de guerra que se perdia nas cordas vocais da sua viola, ainda assim, tinha uma melodia que enchia o seu bolso.
No outro lado, estava o trabalhador (bagageiro) transportando a bagagem dos seus clientes soltando assobios feito cantar de pássaros.
Um ambiete agitado pelos viajantes, uma massa grossa para os lotadores e outros que fazem deste espaço o seu ganha-pão.
Senhor, estamos prontos, ninguém precisa mais nada?
questionou o motorista anuciando a partida.
Deitei os olhos ao ecrã do telefone, doze horas batido.
As rodas do carro começaram a batucar a terra numa velocidade ao meu gosto.
Uma menina de um semblante firme mergulhou dentro de si e saiu com uma oração na ponta da língua para purificar a viagem.
Estou a deixar a Kyanda. Sentia que deixava o país todo e uma parte de mim dentro dela.
Decidi abrassar a viagem e deixar-me estar ao ritmo da velocidade e da covenrsa que circulava no coração do carro.
Redução da velocidade.
Os pneus anunciaram os primeiros gritos de tristeza.
A estrada tem agora o rosto triste, banhado de cicatrizes mal curadas e outras feridas por todo lado.
Levei a cabeça de um lado para outro.
Uma estrada nacional com péssimas condições de circulação, só mostra o quanto sério o país é.
Já anda toda desnutrida, mostrando a sua péssima anatomia a todos, ao menos o rosto tem de expressar beleza.
O carro tem agora os passos à medida da estrada: ora lento ora rápido, ora vai à esquerda ora vai à direita.
Um silêncio dentro do carro.
Todos estavam em contacto com outras viagens fora desta.
Não se pode viajar dentro da viagem, é um desrespeito à poética divina.
Eu mantive os olhos acesos e a câmara do telefone ligada, precisava dialogar com o belo.
Paramos bem na boca do Dondo para reparar o pneu que, de tanto fugir as feridas do asfalto, caiu numa embuscada do prego que lhe tirou o fôlego da vida.
Uns aproveitavam encher o estômago.
Eu aproveitei o momento para fotografar e partilhar verbos com pessoal desta zona.
A fome não consta no léxico da minha necessidade biológica quando estou de viagem; a conteplação do belo afogenta-a.
O sol deitava-se no colo da montanha, a noite desenhava o seu rosto, os pássaros, no encanto dos seus vôos lentos, voltavam às suas casas após um dia laboral.
Em filas arrumadinhas, entoavam hinos divinos que acompanhavam o batimento das suas asas.
Era este clima poético que abraçou a minha recepção na terra da Kibala.
Enquanto aguardava o indivíduo que me poderia vir buscar, fiquei a apreciar a fascinante combinação de o céu repousar a sua face no peito da montanha para cobrir a visibilidade de Deus.
Os passos dos caminhantes que vinham de muitos caminhos. Estavam todos em passos lentos e relaxados.
Aqui o tempo conhece o passo do seu povo, diferente da Kyanda que se vive às pressas.
O tempo, na Kyanda, não conhece a semântica dos passos dos seus caminhantes.
Com a mochila presa nas costas, dentro de um município pequeno onde todos se conhecem, parecia um estranho no meio daquele povo.
Eu mantive tranquilo e conhecido comigo mesmo, não sou de me sentir estranho em nenhuma terra.
Eu sou um eterno caminhante, vivo onde a noite me cobre.
Por: KHILSON KHALUNGA