Luanda como centro de negociações: a mediação angolana na crise congolesa

A decisão do Governo de Angola de convocar um encontro em Luanda, reunindo as delegações da República Democrática do Congo (RDC) e os representantes do Movimento 23 de Março (M23), reflete um compromisso inabalável com a estabilidade regional.

Num contexto de crescente instabilidade no leste da RDC, onde o conflito entre o exército congolês e o M23 tem desencadeado uma crise humanitária sem precedentes, esta iniciativa diplomática posiciona Angola como um ator central e determinante na busca por uma paz duradoura e sustentável.

O papel angolano na mediação de conflitos em África não é novidade. Ao longo das últimas décadas, Luanda tem desempenhado um papel preponderante em processos de pacificação, tanto na própria região dos Grandes Lagos quanto em outras zonas do continente marcadas por conflitos prolongados.

Desde os esforços empreendidos na pacificação da região Do leste da RDC até às negociações para a estabilidade da República Centro-Africana e do Sudão do Sul, Angola tem acumulado experiência e prestígio na promoção de soluções diplomáticas.

O momento actual exige, no entanto, um esforço redobrado para garantir que o encontro de Luanda não seja apenas mais um encontro diplomático protocolar, mas sim um marco para o estabelecimento de um cessar-fogo eficaz e para a concretização de um acordo de paz robusto e de longo prazo.

A implementação de soluções duradouras depende de uma abordagem abrangente, que envolva diferentes actores e que não se limite a soluções imediatistas.

O êxito deste encontro dependerá, em grande medida, da disposição dos actores envolvidos para alcançar compromissos sustentáveis e da capacidade de converter intenções em medidas concretas, com impactos reais na estabilização da República Democrática do Congo e na promoção da paz em África.

Para que o encontro produza resultados efetivos e não se traduza em mais uma iniciativa inconclusiva, é imperativo observar princípios fundamentais.

Em primeiro lugar, a abordagem inclusiva deve ser priorizada, garantindo que todas as partes interessadas estejam devidamente representadas no processo.

Não se trata apenas de reunir as lideranças do governo congolês e do M23, mas de assegurar o envolvimento activo da sociedade civil, da União Africana – sob a presidência de Angola –, da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e de organizações humanitárias.

A participação dessas entidades reforçará a legitimidade das negociações e permitirá a incorporação de perspectivas essenciais para a construção de uma solução duradoura e abrangente.

Em segundo lugar, qualquer acordo resultante das negociações deve incluir mecanismos claros de monitoramento e cumprimento.

A implementação de um cessar-fogo efetivo depende não apenas da assinatura de um documento, mas também da presença de observadores independentes que possam garantir que os compromissos assumidos sejam respeitados por ambas as partes.

Para tanto, é recomendável que a SADC e a União Africana desempenhem um papel activo na supervisão da implementação do acordo.

Ademais, as causas estruturais do conflito devem ser abordadas com seriedade e profundidade. O leste da RDC tem sido historicamente marcado por disputas territoriais, pela presença de grupos armados estrangeiros e pelo contrabando de recursos naturais.

A persistência desses fatores tem alimentado ciclos contínuos de violência e instabilidade. Portanto, qualquer solução duradoura precisa contemplar medidas concretas para combater essas dinâmicas, promovendo uma governança eficiente e inclusiva para a região.

Isso inclui o reforço das instituições democráticas, o fortalecimento do Estado de Direito, o incentivo a reformas econômicas que beneficiem as populações locais e a cooperação regional para o combate à exploração ilícita de recursos.

O encontro em Luanda representa, portanto, uma oportunidade única para consolidar um diálogo franco e produtivo entre as partes envolvidas.

Contudo, é imperativo que os envolvidos demonstrem verdadeira vontade política para a resolução do conflito. Angola, ao assumir esse papel de mediação, reafirma o seu compromisso histórico com a paz e a segurança no continente africano, demonstrando responsabilidade e capacidade diplomática.

Agora, cabe às partes envolvidas demonstrar maturidade política e compromisso autêntico com a construção de um futuro de estabilidade e prosperidade para a RDC e toda a região dos Grandes Lagos.

O sucesso desta cimeira dependerá, em grande medida, da disposição para o compromisso e da capacidade de traduzir as intenções em ações concretas que beneficiem o povo congolês e promovam uma paz duradoura em África.

 

Por: Sebastião Mateus

Especialista em Relações Internacionais

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