Fui visitar o Logos Hope, o navio que, segundo o anúncio promocional, é somente a maior feira de livros flutuante do mundo. Fui movido pelo indomável desejo de adquirir o que de melhor há na Literatura mundial e a preços acessíveis.
Escolhi o segundo dia para evitar as enchentes próprias de dias inaugurais, mas, mesmo assim, fui surpreendido. As filas intermináveis, compostas por famílias inteiras, tornaram o tempo de espera, de mais de duas horas, num autêntico calvário.
Não obstante, fiquei feliz ao ver as pessoas (muitas delas pareceram-me ser de altos estratos sociais) entusiasmadas e até mesmo a usarem diversos esquemas para entrarem numa feira de livros.
Sou escritor, vendo livros e já estou neste mundo há tempo suficiente para saber que, em Angola, os livros não despertam tão grande interesse ainda mais entre as elites da beleza, endinheiradas e intelectuais. Sim, é um paradoxo, mas é de paradoxos que vive a nossa literatura.
Quanto mais se sobe na escada social, mais as pessoas se distanciam dos livros; quanto mais dinheiro se tem, menos sobra para comprar livros. Enfim… voltemos ao navio.
Durante uma semana, o Logos Hope transformou-se na grande atracção turística de Luanda. Todos queriam poder dizer que estiveram no navio (ou que já estiveram num navio), fazer umas fotos e, de passagem, comprar umas lembranças para mais tarde recordar.
Facilmente se percebe que tanta procura pelo navio pouco ou nada tinha a ver com os livros. Confesso que gostaria imenso de saber qual foi o rácio número de visitantes para a quantidade de livros vendidos, que espero não tenha sido o mais baixo dos países por onde o navio já passou.
Talvez tenha sido com base no conhecimento prévio deste nosso “desamor” pelos livros que os seus responsáveis decidiram que a estadia em Luanda devesse ser uma das mais curtas de sempre num porto local (apenas sete dias, quando a média de permanência do navio num porto chega perto de um mês). De qualquer jeito, acredito que os responsáveis devem ter ficado satisfeitos.
O que não rendeu em livros deve ter rendido em ingressos de acesso, lanches e snacks. E claro, não posso deixar de admitir que uns tantos livros e “souvenires” foram mesmo comprados pelos milhares de visitantes apesar dos preços (que achei caros) e da pouca diversidade, quer temática, quer em termos de publicações em Língua Portuguesa.
Mas esse facto mostra-nos a criatividade e o engenho dos seus responsáveis para levarem avante o seu objectivo de vender livros, principalmente evangélicos.
O navio é, em si mesmo, uma grande atracção turística, com vários outros actrativos além dos livros. É prazeroso visitá-lo. É bonito, organizado e, além da feira, oferece espectáculos teatrais, um corredor com várias imagens onde se contam histórias infantis, aulas de origami, além de que é uma oportunidade única para quem nunca entrou num navio.
O Logos Hope relembra-nos que é preciso cada vez mais engenho e imaginação na hora de promover a literatura e de vender livros. Apesar da sua reconhecida importância para a educação e instrução, a realidade é que, por cá, temos feito pouco para aumentar o gosto pelo livro e pela leitura.
Os livros estão a ser rápida e ferozmente substituídos pelos telefones, pelos vídeo-jogos, e por tudo o mais quanto seja diversão ou espetáculo visual e há até mesmo casos em que os livros estão a ser substituídos pelo nada. Portanto, é preciso inovar.
O bom exemplo do Logos Hope de combinar o livro com outros atractivos pode e deve ser replicado e, para tal, julgo termos, em Angola, condições para o fazer. Penso por exemplo nos caminhos de ferro que estão em franca expansão e extensão.
E se criássemos um comboio ou uma carruagem biblioteca que circulasse aos fins-de-semana permitindo aos passageiros ter acesso a vários livros enquanto desfrutam de uma viagem de comboio. Pensei igualmente nos nossos catamarãs (que julgo estarem agora inactivos).
Que tal criarmos também o nosso navio biblioteca para oferecer ao público uma leitura agradável enquanto viaja pela nossa bela costa? Boas ideias e bons exemplos não faltam, o que falta são os apoios e os investimentos.
Louvamos as iniciativas individuais que se vão multiplicando pelo nosso país. Falo sobretudo das bibliotecas comunitárias, algumas delas “apertadas” em baixo de pedonais, tudo para estar mais próximo do cidadão comum.
No entanto, precisa-se de muito mais. Um navio como o Logos Hope não se consegue apenas com a boa vontade de um pequeno grupo de jovens voluntariosos.
O Estado, as empresas, as fundações, os empresários podem e devem contribuir para iniciativas desta envergadura que atraem um público muito maior e mais diversificado.
Sei que muitas individualidades visitaram o Logos Hope durante o período em que esteve atracado no Porto de Luanda; portanto, quero acreditar que, mais do que uma atracção turística, o navio servirá de exemplo para aquilo que faremos brevemente para promovermos a literatura. Espero não estar enganado.
Por: Sérgio Fernandes
*Escritor