Era desejável o dia, era descomunal o modo de partilha, que já não mais cabia na sala e naquele pátio de esqueleto rectangular, feito geometria antiquada, porém tão utilitária quanto fundamental para desnudar, outras vezes mesmo para entenebrecer nossas almas.
Esses hábitos, esses factos, dizem os mais esclarecidos, porém poucos atrevidos, que não são de hoje, vêm de longe, dos nossos tataravôs para os nossos trisavôs, dos nossos bisavôs aos nossos avôs, depois aos nossos pais, aos nossos irmãos mais velhos até chegar a nós.
O palco de encanto, com suas lições musculosas, também servia de desencanto, lá era baila as notas magras, tantas eram as debandadas, algumas de afugentar a alma, outras de entenebrecer a caminhada, a admiração da inocência perante o funcionário de ofício nobre, ou se preferível, o nosso segundo pai.
Tudo porque era mister o desejo, o atrevimento desmedido pela ignorância, vagando daqui e dacolá para alimentar a sede de saber, ser maior do que éramos e, para alguns, autênticos subterfúgios para gabar-se entre académicos e leigos.
Não sabíamos de onde provinha tanta artimanha, tanto desejo de aniquilação. Tantas aulas de paz, tantos dias de elevação, porém nos momentos de encontro oportuno, colhíamos tristeza e ira.
Carmelita só dizia “Aquele professor parece que não tem filho!” Desabafos de adultos na mente adolescente.
E, no dia 10 de Março, apresentou-nos um dilema, uma espécie de encontro apressado, todos na sala, silêncio era silêncio no dia da nova lição.
Todos pareciam inimigos, quem olhasse ao lado era descontado, quem cochichasse também, tanta norma, tanta frustação, tanta ânsia na afirmação, que a sala, aquele pátio, o instituto, eram subterfúgios de vidas a cultivar.
A grande maka é que daí não se podia esperar tanto e todos sabiam disso, sabiam que, naquela cadeira, com aquele professor, havia sempre um pacto cerrado com o insucesso nos resultados, que levava muitos de nós, poucos experimentados na arte das artimanhas, a desconfiar de nós mesmos, dos demais e, no final, daquela figura penetrante, incontornável na imagética doçura e amargura da vida estudantil.
As lições não se calavam, todos tinham algo para dizer, mas não podiam, não deviam.
Gael pegou na sua folha branca com o nada escrito no corpo inferior, contendo apenas o roteiro identitário e, com a voz em defesa, vociferou “Não estragou nada.
Haverá prolongamento!”.
Matámo-nos de sorrir.
Havia um trio de confidências tremendas, de seguidismos incalculáveis, um deles foi pego a cabular, a sala fez silêncio, na medida em que contemplávamos expectante o cenário, o professor não poupou esforço, pegou na folha de prova e rasgou-a diante de todos, os dois colegas, tão cúmplices que eram, levantaram e entregaram simultaneamente suas provas.
Parecia que a cada minuto de dificuldade um fenómeno era construído e uma outra perspectiva desconstruída.
Passaram-se alguns dias e nenhum dos alunos falava daquelas memórias.
Tanta fama havia a seu respeito que também parecia carma.
No dia reservado, todos estavam na sala, esperando pacientemente pelos nomes, nomes com línguas de Angola, nomes de assimilados, nomes de povos desconhecidos, nomes com significados, alguns sem poder, outros sem histórias.
Ninguém entre eles deu risadas por causas confessas, alguns lamentavam pelas notas magras, magras de meter vergonha, de aniquilar o ego e as vaidades académicas.
Silú foi o último a receber a prova e, para o seu azar, teve a vanglória rebaixada, pois só havia conseguido 4 valores e ao ressentir o clima pesado, dirigiu-se à porta e fechou-a retumbantemente, tirou a chave, guardou-a na jaqueta e com a voz altiva, disse: Hoje vais corrigir essa prova sem pular nenhum passo.
A turma esteve empenhada e todos apoiaramno feito adeptos fanáticos a crucificar o árbitro. Ele: Está bem.
Desfez-se dos atavios e pegou no marcador, começou a resolver o primeiro caso.
Os alunos todos atentos ao relógio, de repente, o professor começou a transpirar, o primeiro exercício levou-lhe 45 minutos e faltava o último passo, quando disse- Aqui é só dividir e somar.
Todos disseram: Não, não, termina mesmo, prof!!! Ele: Está bem.
Não havia terminado os dois últimos casos, no entanto o tempo foi-se. Silú disse: Tempo esgotado, prof.
Tens 5 valores pelo primeiro caso.
Silêncio entre alunos e professor, olhares de censura e ira, mas a aula, oh a aula, já havia terminado.
Por: FERNANDO ADELINO