Agia Sofia. Istambul. Domingo à tarde. Os imãs chamam para rezar. O canto ouve-se por toda a cidade. Não consigo entender uma palavra do que dizem.
Eu, como muitos de nós, acostumado com as línguas de raiz românica, à universalidade do inglês e a um mundo onde todos comunicamos com facilidade, fico desconcertado.
Tudo o que é turco é distinto. Aqui, as marcas de luxo, que rivalizam em qualidade e design com as maiores do mundo, praticamente não se conhecem no ocidente; e as “maiores do mundo”, são aqui falsificadas aos olhos de todos, inclusive com o beneplácito da lei, mostrando que o capitalismo global vive apenas de hábitos e não de marcas.
O último tuíte de Musk é muito menos universal do que parece. Na verdade, qualquer país que controle suas fronteiras e a sua língua, tanto hoje como há cem anos atrás, consegue fugir ao controle das democracias capitalistas ocidentais. Sem a colaboração da cultura nenhuma tecnologia conseguirá contrariar isso.
Embora tecnologia e dinheiro sejam os elementos mais aptos e integrados desta equação, enquanto a cultura, lugar onde toda a confiança se constrói, ficar com um papel secundário, qualquer regime permanecerá substantivamente intocável.
Confere que qualquer xícara de café turco, doce de Baclava, sistema mini-estéreo contrafeito, corrida de taxi ilegal, e até mesmo ingressos para uma viagem inesquecível “5 léguas em balão” pelos relevos da Capadócia, podem ser pagos por sistema contactless, usando simplesmente o celular.
Mas na verdade as trocas culturais não acontecem se apenas estivermos consumindo. Por toda a parte, os turistas, que agora sem medo de pandemias elevam de novo Istambul ao patamar de maior cidade da Europa (mais de 15 milhões de habitantes), são oráculo permanentes desse erro original, do que os falantes de línguas com pegada global, (como a língua portuguesa) presumem: acham que o mundo inteiro enxerga o futuro da mesma forma, e que essa forma tem padrões ocidentais.
De novo perdido na tradução, ninguém entende o que falo e nada do que eu escuto faz sentido, peço auxílio ao Google, habitante até agora silencioso no meu celular, mas que eu consigo convocar.
Quero saber porque razão a mesquita Agia Sophia, que significa “Sagrada Sabedoria”, em 2020 deixou de ser museu e passou de novo a ser uma mesquita destinada ao culto moçulmano.
A resposta veio, explicando que isso talvez representava uma cedência do estado laico turco aos moçulmanos, talvez por motivos eleitorais.
Mas o que meus olhos viam era um lugar cheio de cristãos e moçulmanos, juntos, rindo e rezando, em um lugar aparentemente inclusivo, gratuito, aberto a todos mas onde as mulheres já não se podem juntar aos homens no lugar central do templo.
Gokan Kaya, nosso guia na ocasião, há 27 anos no lugar, dizia que os políticos de países grandes tendiam a fazer coisas inexplicáveis para ganhar eleições.
E falou da guerra da Rússia, que afoga a Turquia em inflação; de Trump nos Estados Unidos; e de um tal Boh-sohn-haro, que tinha feito o mesmo no Brasil.
Afinal, apesar da língua, talvez não sejamos assim tão diferentes.