É em Setembro, por ocasião do seu aniversário, claramente, que os poemas do saudoso Dr. António Agostinho Neto mais reverberam, e eis que, possuindo cada um a sua compleição, singularidade e espírito, permanecem impactantes e relevantes, ou seja, inoxidáveis, resistentes à traça e à ferrugem, reforçando assim a acuidade do sentimento que se tem de que as coisas no antigamente eram produzidas com maior qualidade e duravam mais, em contraste com os produtos da era actual, facilmente perecíveis e que se extinguem logo nos primeiros raios solares do tempo.
Em “A Renúncia Impossível”, Agostinho Neto afirma com confiança inabalável: “as minhas mãos colocaram pedras nos alicerces do mundo./ Tenho direito ao meu pedaço de pão”.
De facto, as mãos de Neto colocaram pedras de calcário nos alicerces de África, e, consequentemente, do mundo, uma vez que os seus postulados servem perfeitamente para inspirar todo e qualquer povo asfixiado, perseguido, explorado e oprimido em qualquer canto da terra.
Através de filhos como Agostinho Neto e muitos outros, África há muito vem colocando pedras nos alicerces do mundo e o Cristianismo é, indiscutivelmente, dos mais importantes. Infelizmente, há ainda uma crença popular entre muitos africanos e não só de que o Cristianismo tem o selo “made in Europe” e que chegou até África através dos missionários europeus no século XV, quando na verdade, já se encontrava no continente berço pelo menos mil anos antes, com os registros históricos mais antigos datando para o ano 333 DC.
É na Etiópia que os primeiros templos Cristãos do mundo começaram a ser construídos tal como a Igreja Ortodoxa Etíope de Tewahedo, adornada com peças de arte Cristãs coloridas e vívidas que iluminam o interior do templo e contam a história do nascimento do Messias até a sua crucifixão.
A Bíblia Cristã retrata no 8º capítulo dos Actos dos Apóstolos, versículos 26-38, um episódio que envolveu um eunuco etíope, alto funcionário e superintendente de todos os tesouros da Rainha Candace da Etiópia (nome utilizado pela toponímia da altura para se referir às zonas que compreendem o actual Egipto e Sudão), o qual se dirigia a Jerusalém no seu carro em peregrinação à terra santa.
O mesmo foi abordado pelo profeta Filipe, o qual prontamente anunciou o Evangelho de Jesus Cristo ao Africano, posteriormente baptizando-o numa nascente de água que se encontrava pelo caminho, a pedido deste.
A Bíblia faz questão de sublinhar o estado emocional em que se encontrava o eunuco após ter pronunciado que cria que “Jesus Cristo é o Filho de Deus” e recebido o sacramento do baptismo: «seguiu o seu caminho cheio de alegria».
É importante sublinhar, para que se extingam todos e quaisquer resquícios de dúvidas sobre a forma e o período em que o Cristianismo chegou até África, que este episódio acima relatado teve lugar um versículo antes do chamado “Apóstolo dos Gentios” sequer sonhar em se auto-rotular como tal. Isto é, Paulo era ainda chamado Saulo, perseguidor dos discípulos de Cristo a tempo integral.
A digestão deste facto é fundamental porque permite compreender que até esta altura, o proselitismo Cristão não havia ainda ultrapassado as fronteiras das cidades de Israel, e tendo assim sido, representa uma clara evidência de que África foi a primeira região fora de Israel a ter contacto com o Cristianismo.
Se tivermos de ser rigorosos com a verdade, África já havia tido contacto com o povo de Deus e a sua sabedoria muitos séculos antes do nascimento de Cristo, como confirma a história da Rainha de Sabá, também conhecida como Makeda, figura central na mitologia etíope que, tendo ouvido sobre a fama do Rei Salomão, foi a Jerusalém, acompanhada de numeroso séquito, de camelos carregados com aromas e grande quantidade de ouro e pedras preciosas, a fim de atestar a veracidade do que ouvira.
Perceber a profundidade destes factos históricos presentes nas sagradas escrituras é essencial, porque somente assim darse-á a África o pedaço de pão que tanto merece.
Se me permitem ser sincero, reconhecer que África desempenha desde os primórdios um papel igualmente central na história das três principais religiões monoteístas do mundo, sendo estas o Judaísmo, Cristianismo e o Islamismo, uma vez que o Antigo Testamento confirma que foi no Egipto que Abraão, sua mulher e sobrinho encontraram refúgio, e o Novo Testamento que José, Maria e o menino Jesus também encontraram refúgio, não é suficiente para fazer jus ao seu profundo contributo.
É simplesmente inadmissível o facto de que à luz de toda essa noção e consciência não foram realizadas até hoje Jornadas Mundiais da Juventude em solo Africano, uma vez que a dinâmica tem sido empreendida desde 1984 pela Igreja Católica.
Etiópia tem uma relação secular com o Cristianismo bastante rica. Quão maravilhoso não seria visitar as primeiras cidades e templos Cristãos do mundo?
Quão inefável não seria aprender e assimilar histórias sobre o primeiro povo no mundo além Israel que reconheceu Cristo como sendo “O Filho de Deus” e ter a honra de vislumbrar a Bíblia mais antiga do mundo no Mosteiro de Garima?
Quando isto acontecer, aí sim, estar-se-á a dar a África parte do pedaço de pão que tanto e verdadeiramente merece.
Digo parte, porque muitas mais são as pedras que as mãos de África colocaram nos alicerces do mundo.
Por: EDUARDO PAPELO