Johnnie Garson, um veterano diplomata americano (actualmente Conselheiro Presidencial Especial para a Implementação dos compromissos da Cimeira de Líderes EUA-África), em 2013 afirmou que Angola é o país africano mais importante para os EUA. Esta frase nunca fez tanto sentido. De facto, como escrevi num outro texto públicado neste jornal, Angola alberga a sede do mais importante projecto geopolítico e de infra-estruturas apostado pelos EUA no continente berço, o Corredor do Lobito, inserido na Partnership for Global Infra- estruture and Investiment (PGII) – anti-tese da Iniciativa Cinturão e Rota da China.
A frase de Biden antes da confirmação da data do encontro com o Presidente João Lourenço soou a paternalismo ocidental. Os EUA, segundo o presidente americano, vão “construir Angola, e vai tornar-se um dos líderes em África economicamente”. Apesar do discurso inapropriado em relação à cooperação EUA-Angola, a Administração americana comprometeu-se efetivamente a tornar Angola um aliado estratégico na região.
E o Executivo de Angola, por seu turno, desde a ascensão de João Lourenço à Cidade Alta, em 2017, rapidamente manifestou o seu interesse em aproximar-se dos Estados Unidos – embora esta aproximação não seja bem vista por alguns membros do MPLA acostumados ao cepticismo legitimo em relação ao Ocidente. Esta foi uma mudança fundamental na política externa angolana e no incremento da parceria estratégica existente desde 2012.
A reunião entre João Lourenço e Joe Biden na Sala Oval, marcada para 30 de novembro de 2023, representa um marco crucial na cooperação bilateral entre os dois países nos últimos 30 anos. Sobretudo para o Executivo angolano, que em meio aos níveis de impopularidade de- correntes da conjuntura económica complicada e que se reflete em grande parte dos angolanos, que anseiam por respostas imediatas e adequadas às suas demandas Este encontro não apenas aumenta a visibilidade e prestígio internacional de João Lourenço, mas também consolida o seu papel como líder regional na África Subsaariana.
A sua agenda nos EUA visa legitimar e garantir o apoio americano à sua liderança e representação dos interesses de Angola no cenário global. A Squire Patton Boggs, firma de consultoria e lobby contratada pelo Governo americano apostou todas as fixas neste encontro. “Uma reunião na Sala Oval validará a vontade do Presidente Lourenço de estabelecer uma parceria inovadora e parceria inovadora e revolucionária com os Estados Unidos”, afirmou um dos responsáveis da empresa. A SPB recebeu a informação de que, “se o Presidente Lourenço não pudesse reunir-se com o Presidente Biden este ano, o risco real de que a dinâmica positiva que ambas as partes geraram desde 2017 comece a perder tracção”.
É natural que um encontro com Joe Biden facilite o trabalho que o Presidente e os seus auxiliares têm realizado e influencie potencialmente outros líderes do Ocidente a oferecerem o seu apoio, reconhecimento ou assistência — algo que já tem acontecido e que aumentará nos próximos tempos após este encontro —, bem como atraia muitas mais iniciativas estrangeiras de Estados ocidentais e até de competidores, nomeadamente da China. Vem aí uma enxurrada de investimentos para o país. Esta reunião pode ainda reforçar a posição de Lourenço no cenário político interno.
É a cereja no topo do bolo para convencer à oposição, especialmente à UNITA, os adversários internos ou céticos de que que o poder e a governação do MPLA têm aceitação e respaldo no cenário internacional.
É interessante notar que antes dessa reunião, surgiram manifestações de interesse em negociar por parte de pessoas ligadas ao antigo presidente José Eduardo dos Santos, actualmente críticos de Lourenço. Coincidência? Quando João Lourenço mencionou, numa das mais emblemáticas entrevistas que concedeu no início do mandato 2017-2022, que se identificava com o reformista chinês Deng Xiaoping parecia uma indicação de que poderia estar mais inclinado à cooperação com a China em detrimento do Ocidente.
No entanto, uma das interpretações desta associação de Lourenço a Xiaoping é a aproximação estratégica com os EUA para impulsionar o crescimento e desenvolvimento económico do seu país. A história de Deng Xiaoping enquanto estadista, sem o incremento da parceria entre a China e os EUA, sobretudo a partir de 1973, provavelmente não teria a dimensão positiva que é objectivamente reconhecida. Assim como o visionário líder chinês que tem como referência, João Lourenço sabe que não existe um país que tenha prosperado no mundo actual sem uma parceria profunda com o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América.
Sob o comando de Lourenço, a relação bilateral com os EUA em todos os aspectos – diplomático, comercial, militar e cultural – atingiu um patamar sem precedentes em décadas, contrastando com a era de dos Santos – que foi o último presidente angolano a encontrar-se com o seu homólogo americano há 19 anos, em 2004. Portanto, se continuar no rumo actual, João Lourenço será reconhecido na história de Angola como o estadista que mais impulsionou as relações com os EUA.
O fortalecimento das relações entre os EUA e Angola é resultado não apenas do lobby da Squire Patton Boggs (como pretendem reduzir alguns críticos de plantão), mas também das reformas internas em Angola, da posição estratégica do país em África e da incansável diplomacia económica que levou o Presidente a espalhar em todo o globo a mensagem da “nova Angola” no mandato 2017- 2022. Com setores promissores como mineração, agricultura, energia, tecnologia digital e infra-estrutura em foco, Angola está cada vez mais a estabelecer-se como um actor influente no continente africano e busca posicionar-se como um parceiro relevante para as potências globais, especialmente os EUA.
POR: HOTALIDE CORDEIRO DOMINGOS