Há, na prática da produção textual, um cruzamento entre os textos, entre as imagens, entre as pinturas e entre as falas, podendo ser de forma consciente ou inconsciente, aliás, não se espera que um texto seja completamente natural, é “mais ou menos (…) a repetição esperada” de outro texto, então, a intertextualidade é, para Kristeva (1967), Barthes (1973) e Bakhtin (1974) apud Samoyault (2008: 13-34), a transposição de um texto para o outro, podendo, por sua vez, o texto produzido ter maior aprofundamento do assunto abordado.
A intertextualidade poderá estar ligada à (i) forma ou ligado ao (ii) sentido, em (i) o estilo e a organização do texto e em (ii) o assunto abordado no texto.
Há um cruzamento entre a música “Maçonaria” de Azagaia (1984-2023) e “Nosso Diabo” e Tamaro LB (1998- ?), ademais, ambos nasceram em Maio, Maçonaria foi gravada em 2012 e incluída no álbum de 2013 (Cubaliwa) e Nosso Diabo foi gravada em 2021 e incluída na mixtape de 2022 (Homem Preto) por fim, as imagens refletem o que estaremos a descrever, como podem ver.
Ambas as músicas pertencem ao estilo hip hop, rap de intervenção social, Em Maçonaria, Azagaia faz um crítica ao sistema colonial e neocolonial, propriamente, a religião colonial europeia, já Tamaro LB, em Nosso Diabo, além de ser uma crítica ao sistema colonial e neocolonial, aborda especificamente as questões sociais, políticas e religiosas. Então, descreveremos alguns trenchos que podem indicar a intertextualidade entre ambas.
A presença europeia é um mal, em Maçonaria, Azagaia diz “(…) ocuparam África e escreverem nossa história, com a bíblia numa mão e noutra uma pistola,” e Tamaro LB, em Nosso Diabo, destaca “(…) oramos de olhos fechados, acordamos sem nossas casas, receberam nossas casas, viramos enquilinos nelas.” Antes da presença europeia, África era formada por reinos, então, para o maior domínio era necessário aniquilálos, “subjugaram reinos com poder da pólvora.” Em Maçonaria de Azagaia, e, em Nosso Diabo de Tamaro, temos “jogaram fogos entre reinos.”
A religião foi, neste processo, usada para moralizar o africano em aceitar Deus, uma vida óptima na terra e a salvação, mas ela fracassou, em Maçonaria, Azagaia denuncia o comportamento dos líderes religiosos: “espalharam a tua igreja e disseram basta te ter para ter tudo que se deseja (…) abençoam os conflitos e oferecem ajuda externa, aos pobres é oferecido o dom da dívida eterna,” Tamaro, em Nosso Diabo, usa a máxima do cristinismo: “Pregaram amor ao próximo, mas nunca se aproximaram.”
A ambição das potências europeias por África levou, de 1884-1885, a repartirem África, como assegura Azagaia, em Maçonaria, “dividiram o mundo [África] em Berlim na última ceia.” Afirma Tamaro, em Nosso Diabo, “sentiram-se donos das nossas terras e delimitaram nossas fronteiras.” Dominar um povo é matar a sua cultura e a sua língua, para tal os europeus tiveram que esforçar os colonizados aprenderem a sua língua a todo custo, Azagaia, em Maçonaria, afirma “enquanto com chicote ensinavam novo léxico.
” Pois, Tamara LB, em Nosso Diabo, destaca as principais unidades lexicais “topónimos e antropónimos, então, foram mudados.” Europa estabeleceu, na altura, acordos comerciais com África, como afirma Azagaia, em Maçonaria, “estimularam o comércio e semearam a discordia (…), enquanto europeus ganharam o gosto pelo açúcar, escravo no Brasil plantavam canas de açúcar,” em Nosso Diabo de Tamaro, encontramos “nasceu o comércio aí, permuta deram vida, solidificaram linda amizade (…) mão de obra barata para suas nações, trabalhando arduamente nas fazendas da burguesia (…) nas plantações de canas de açúcar.”
Por fim, a distinção entre um africano e um europeu, estava na cor da pele também, por isto, não tinham o mesmo tratamento, Azagaia, em Maçonaria, destaca “provorem a diferença entre escuros e claros, chamaram pretos aos primeiros e aos segundos mulatos,” enquanto Tamaro LB frisa que “depois da aboluição da escravatura, propagaram a segregação, fortes restrições que nos colocavam subtração (…), cuspiram em nossas caras e disseram-nos que éramos o pecado (…) racismo implentaram.”
A partir dos trenchos transcritos, portanto, percebe-se que há intertextualidade na forma e no sentido, capaz de fazer entender que há (plágio), porém, não o consideramos, há, como afirmamos até aqui, cruzamento entre as músicas, aliás, Tamara LB, em Nosso Diabo, critica, até aos pormenores, o sistema colonial e neocolonial dantes criticado por Azagaia, em Maçonaria. Pois ele é o “Novo Azagaia.”
Por: ESTEFÂNIO JOSÉ CASSULE
Professor e Estudante de Letras.