Desde os tempos mais remotos, as sociedades se guiam com normas e leis para o estabelecimento da ordem. A escola enquanto agente de socialização não fugiu a essa realidade. Por isso, introduziu castigos, aplicados aos alunos infractores. No entanto, devido ao vácuo que ainda existe entre as sanções aplicadas e a legitimação desses actos por via de documentos reitores, muitos deles, não contextualizados no tempo e no espaço, urge levantar o debate sobre essa problemática.
POR: José Otchinhelo
A sustentabilidade normativa para a aplicação de sanções aos alunos deve estar assente em alicerces profundos do ponto de vista social, económico, político e cultural, capazes de hierarquizar as infracções e as respectivas punições dentro dos marcos da Constituição da República de Angola. A interpretação da norma e a aplicação da justiça devem ser claras e do interesse das partes.
A mesma infracção não pode ser punida de acordo com o juízo de quem a aplica, fazendo com que, em alguns casos, ela se torne mais branda e, noutros, severa, sobretudo quando se tem mais ou menos afinidade com o aluno infractor. A falta de clarividência jurídica desses actos disciplinares, cria má interpretação das leis existentes e, naturalmente, mal-estar entre discentes e docentes e isso tem implicações pedagógicas muito sérias, ao ponto de provocar abandono e insucesso escolar, péssimos relacionamentos, ódios e até vinganças. Isso responsabiliza a escola no que diz respeito à necessidade e importância de divulgação permanente das normas escolares e de outras leis afins, de modo que os alunos conheçam os seus direitos e deveres e as implicações dos seus actos de indisciplina.
Não é bom que os alunos não compreendam a importância do regulamento escolar, nem contribui para sã convivência o desconhecimento generalizado das normas que regem as relações interpessoais na escola. O regulamento escolar é consultado com facilidade pelos alunos? Para cada proibição (dever), há a respectiva punição ou os alunos tomam conhecimento delas apenas depois de cometerem uma infracção? Deveria haver um acordo (colectivo) da comunidade escolar, para que, dentro dos marcos da lei e dos direitos da criança, se estabelecessem as respectivas punições para cada infracção (especialmente as mais comuns). O regulamento de trânsito, é nesse sentido, um bom exemplo. Para cada violação do código de estrada, há uma punição específica.
Isso ajuda a escola a evitar os excessos na aplicação da lei e diminui a reclamação de uma mesma infracção praticada em circunstâncias iguais ter dois pesos e duas medidas na mesma escola ou circunscrição. Como vemos, temos ainda muito a aprender à luz dos normativos que regulam todo o exercício do magistério (em particular na aplicação da justiça sobre os actos de indisciplina dos alunos), já que, em grande medida, falta a regulamentação de muitos dispositivos legais, o que propicia um ambiente de violação (exagero ou negligência) sistemática na aplicação da lei por parte de quem a faz cumprir. Para ilustrar apresentamos alguns castigos decorrentes dos actos de insdisciplina dos alunos: Capinar (mesmo que esteja numa zona agrícola); Limpar as casas de banho (muitas delas imundas); Pintar uma sala de aula ou o muro da escola (sem o cunho pedagógico); Apanhar reguadas (ainda existe essa prática); • Lavar o carro do director geral;• Repetir uma palavra dezenas de vezes à frente dos colegas ou no caderno para não voltar a errar; Nos casos em que o professor é de Educação Física, dar voltas ao campo até que o aluno fique exausto ou fazer dezenas de flexões quando não é essa a rotina do aluno e nem se conhece o histórico da saúde do aluno; Repetir o mesmo exercício dezenas de vezes só por não ter feito a Tarefa para Casa (TPC); Ficar em pé à frente da turma durante a aula;
Suspensão das aulas; Expulsão do sistema educativo; Não sair da sala ao Intervalo ou ao recreio; A conhecida “aula dada”; Carregar objectos ou materiais como areia, blocos, madeira, etc, de um ponto da escola para o outro; Ditar as notas dos alunos na sala de aula como castigo para os que tiveram notas baixas. O que acha dessas punições? São justas? Como essas, existirão outras que são uma clara demonstração de abuso, prepotência, arrogância e clara violação dos direitos da criança. Esses abusos podem levar os alunos a detestarem a escola. Esse cenário é absolutamente evitável. A escola não precisa ser um campo de batalha só porque houve a violação de uma norma.
O aluno infractor não deve ser visto como inimigo. Para isso, como já referimos, deve haver equilíbrio entre a natureza do acto praticado e a sanção aplicada. Todo o acto de correcção deve ser realizado com amor e resultar numa aprendizagem significativa para a vida do aluno e por que não, também, para a do professor! Só assim o aluno, poderá, numa circunstância igual agir dentro dos limites da lei (sem generalizações). Uma escola que se preocupa com o aluno não pune por punir. Não pune para amedrontar. Não pune para humilhar. A escola preocupada com o aluno tem a missão de educar de várias formas, não apenas pela punição ou pelos castigos, mas por usar múltiplas estratégias pedagógicas para o sucesso escolar do aluno. Há regulamentos escolar da idade da pedra. Existem desde que a escola entrou em funcionamento. Em alguns casos, nem mesmo a Internet existia. Ora, as normas e punições precisam ser revistos de tempo em tempo.
O contexto deve ser determinante para a actualização do regulamento escolar e o que queremos para os nossos adolescentes e jovens. Quando esses critérios não são observados, acontece o que vemos em algumas escolas onde a indisciplina parece ser um cancro, ano após ano. Independentemente do gestor que por lá passa, a instituição continua com a má fama, de ter alunos indisciplinados. Por fim, o Ministério da Educação deve incluir no Currículo aberto das escolas de formação de professores temas relacionados com a instrução e tramitação de processos disciplinares dos alunos para que os professores conheçam a legislação correspondente, saibam como agir ética e pedagogicamente em casos de indisciplina, evitando, assim, situações de justiça mal administrada.