Dizia em boa hora- a palavra tem poder para os que, realmente, a veneram, no entanto, quando os homens assim não se procedem, anulando as palavras pelos desencantados actos, aquilo que um dia disseram já evaporou. Das várias artimanhas existentes trago a dos homens falarem o que não fazem, de andarem por aqui e por acolá a espalhar enganos, no entanto muitos há que deram conta dessa trama no acto pensar, daí os ditos do tipo – eu agora não presto mais atenção às palavras, procuro observar os comportamentos.
Afinal, ninguém pode fingir o que não é por infinitude temporal, o corpo envelhece, a mente esquece e o eu-profundo, que vive dia após dia lutando para dar forma à sua real condição de existência, um dia há de revelar-se com barulho ensurdecedor.
No âmago da tramitação dos vários postos de trabalho, antes do exercício das funções laborais, aqueles que ocupam cargos de direção e chefia e não só procedem ao juramento, manifestando ao superior hierárquico, aos demais colegas e familiares que, com a palavra e o trabalho, estão profundamente comprometidos.
Todavia, depois de uma jornada, para alguns levando mais tempo, para outros menos, começam já a vingar-se das palavras, a maltratá-las com suas próprias atitudes e comportamentos, a cobrar dos outros o que não fazem, próprio da sociedade do espectáculo, que espera de todos doses excessivas de representação. Dos ditos aos não ditos, o valor da palavra não está em conhecê-la, mas em praticá-la e mais do que isso, honrá-la, típica da ementa- quando falar é, realmente, fazer.
No dia doze do mês corrente, soube de uma brasileira que caminhava pelas artérias do país, contudo em cada local que passava encontrava um posto improvisado, onde estavam os agentes reguladores de trânsito. Ela pasmou incontáveis vezes pelo número de agentes que encontrava na via pública, esse facto levou-a fazer incontáveis inferências, uma delas foi a de que os nossos motoristas cometem tanto na via ou que somos deveras organizados.
Numa espécie de face contradita, essas e outras caíram por terra, quando, a posteriori, ela tornou público alguns vídeos dos locais em que passou, em vestes de condutora a pagar por motivos não deleitosos.
Passaram-lhe vários pentes finos que registou os momentos, mostrando os episódios comprometedores. Quanta desventura! Sobre o poder do juramento, da necessidade de honrar a palavra que um dia os agentes terão aludido em meio aos demais, vale questionarhá memória do juramento que fizeram um dia? Cada angolano que cá vive, envolvido nos puxa daqui e dacolá, sabe como ninguém o que é lidar com as estradas e a postura dos nossos agentes.
De um tempo para cá quando os agentes reguladores de trânsito orientavam a parar uma viatura, regra geral, os mesmos deslocavam-se até ao veículo, no entanto, hoje por hoje, os motoristas tendo consciência da situação e postura dos agentes, irremediavelmente pegam os valores, colocam-nos junto da carta e levam aos agentes, como se de um imposto diário e de engendro nacional se tratasse. Esse modo de agir ficou conhecido no país como o entendimento entre o agente e motorista.
Dos vários episódios vividos, lembro-me do dia em que a necessidade tenaz de ir para as bumbas sustentava meu agir e repentinamente um senhor trajado de azulescuro, óculos da mesma cor, colete laranja, contendo a logomarca da polícia nacional, levantou a mão e orientou o motorista a parar, ele obedeceu, todavia o agente expectante com a descida do motorista, não viu sua gula realizada, o motorista ficou alguns minutos esperando pelo agente, ele permanecia no mesmo lugar parado, tardando a espera, o motorista desceu sem proceder ao velho hábito de meter algum valor junto da carta de condução.
Conversas dali e dacolá, dentro do azul e branco começámos todos a ouvir gritos do policial, o motorista viu-se obrigado a abandoná-lo. Não tardou, outro agente policial começou a incitar a artimanha e dando-se aos gritos, dizia- Meu, lhe passa um pente, um pente bem fino. Lhe passa já, meu! Um senhor de já elevada idade, que tencionava chegar cedo ao Cofre de Previdência, perguntou ao motorista o que se passava realmente, o motorista contou-lhe tudo e todos nós ouvimos.
Segundos depois, vinha o agente dizendo ao motorista para sair do carro. O motorista saiu com a cara já toda tomada de ira, o agente novamente aos gritos falava tudo e mais alguma coisa e, no final, disse-lhe – Vais receber uma multa por desacato à autoridade, seu malandro! Terminou a insolência.
Ao apercebendo-se da postura vexatória dos agentes e insuflado demais pelo contexto, o senhor saiu do carro, chamou- os e mostroulhes o passe de serviço, era um Comandante, e nós dentro do carro só ouvíamos já- sim, sim, sim.., Chefe.
O senhor falava uma vez, eles respondiam cinco vezes- sim, sim, sim, sim, sim, Chefe, em milésimos de segundos. Definitivamente, era a palavra a ser venerada perante as artimanhas do pente fino.
Por: Fernando adelino