De acordo com a actual dinâmica económica e financeira nacional é possível antever que depois do ano 2024 a banca nacional jamais será a mesma, pois a matriz portuguesa que sempre a caracterizou está prestes a sofrer uma metamorfose e espera-se que para melhor.
Estamos a falar da entrada de bancos africanos de matriz anglo-saxónica que têm preferencialmente a banca de investimento, o private banking e os grandes projetos como alvo preferencial, muito diferente da matriz portuguesa que sempre privilegiou os defensivos pequenos e médios projetos e de origem ocidental.
Olhando para o parágrafo acima e conhecendo o pequeno e concentrado sector empresarial nacional (público e privado), pode-se concluir que as duas matrizes se complementam, mas não será este o cenário que se prevê, pois os anglosaxónicos, perceberam as boas novas da nossa economia, a estabilidade política, indicadores maior transparência na governação e os investimentos como corredor do Lobito, no sector petrolífero e mineração abrem grandes possibilidades para rentabilização dos capitais destes novos players.
Actualmente, no país, temos 23 bancos autorizados, destes, apenas 5 (cinco) BFA, BAI BIC, Atlântico e Standard Bank, ou seja quase 22% do sistema, representa mais de 70% dos lucros (em contas de 2023) o que claramente indicia que devem concentrar mais de ¾ dos créditos concedidos à economia, o que, pela dimensão e pouca diversificação da nossa economia, levanta inquietações sistémicas e também de caráter idiossincráticos às instituições, como explicaremos mais abaixo.
A verdade é que, infelizmente, temos bancos para todos os gostos, sem precisar de citar nomes, temos aqueles em dificuldades crónicas de liquidez, bancos apenas virados para o negócio das divisas (casas e câmbio mais chiques), e bancos quase nada diversificam a sua carteira de crédito financiando sempre as mesmas pessoas e empresas usando critérios extremamente discutíveis, ou seja, temos bancos para tudo, menos para financiar a economia propriamente dita.
Nos últimos dias, temos assistido a vários episódios que já deveriam ser normais, nosso sistema bancário, que são as fusões e aquisições entre bancos, e nada mais natural porque temos tecido bancário suigeneris e posto mesmo a jeito para ser comprado, ou se ver fundido.
Por este motivo, estamos a assistir às primeiras aquisições no nosso sistema bancário em 2023, sendo que fusões já temos registo na nossa trajetória de mercado. Daí ser notícia o facto de a Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) de Angola ter aprovado a fusão dos bancos Access Bank Angola, S.A.
(detido pelo nigeriano Access Bank Plc (que é somente o 1.º banco da Nigéria em termos de activos avaliados em 20,8 biliões de dólares norte-americanos) e o Standard Chartered Bank Angola (SCBA), sendo que já em 2023 o Access Bank Plc, havia concluído a compra das 51 % acções do Finibanco, ao banco português Montepio, bem como aos demais acionistas accionistas, ficando com um total 99,80 por cento das acções do Finibanco. Por outro lado, o nigeriano Access Bank Plc, depois de ter comprado 60% das acções do SCBA, ordenou o Access Bank Angola, S.A para fazer uma proposta de compra a dos 40% do SCBA ainda detidos pela ENSA.
Por aqui é fácil perceber que a matriz anglo-saxónica esta a entrar pela porta grande e veio para ficar se tudo se mantiver normal. No que respeita às fusões e aquisições no mercado bancário nacional, tudo pode acontecer, por exemplo se o Access Bank Angola pretender ter uma atuação mais regional no mercado, pode tentar adquirir bancos de dimensão/atuação regional, como o Banco BCS, Banco BIR ou Banco Keve, mas se preferir entrar num nicho mais private ou de banca de investimentos, pode fazer uma oferta ao Banco VTB África, Banco BNI e Banco Valor, mas se preferir atacar o retalho, os alvos preferenciais serão Banco Sol, Banco BFA, Banco BIC e o Banco BAI.
Por outro lado, os bancos mais pequenos também podem se fundir para criar sinergias atacar outros nichos de clientes e outros mercados regionais por exemplo o Banco Yetu fundir-se com o Banco Keve e o Banco BCS, ou Banco Comercial do Huambo. Na mesma senda que se o Banco Sol quiser atingir um nicho de clientes mais corporate, pode fundir-se com Banco Caixa Angola, Banco BCI ou Banco BCA.
Como vimos há uma multiplicidade de cenários possíveis para o nosso sistema bancário, tudo depende da estratégia dos bancos de acordo com os objetivos traçados, contudo os bancos devem estar atentos as dinâmicas do próprio sistema bancário e a desenvoltura económica nacional, e se os maiores bancos regionais estão interessados no nosso mercado, certamente é porque algo mudou e mudou para melhor em termos de perspectivas económicas e financeiras.
Assim sendo não será fumo sem fogo ou apenas boatos infundados a noticia de que o First Bank of Nigeria (que é o 4.º banco da Nigéria em ativos avaliados em 10,8 biliões de dólares norte-americanos) ter feito uma proposta “agressiva” de compra ao Banco Atlântico, até porque a este nível de alta finança o free riding é regra, ou seja, se alguém que acerta nos investimentos avançar para um mercado, certamente que será seguidos pelos seus concorrentes (o facto do First Bank of Nigeria ter seguido os passos do Access Bank Plc).
É como se, por exemplo, amanhã o Warren Buffett decidir investir em Angola, certamente que atrás dele virá meio mundo, com quase 100% de certeza de retorno, pois confiam cegamente em Warren Buffett pelo seu faro de investir e investir bem, portanto podemos sim ficar à espera da entrada de grandes bancos regionais no nosso mercado, ficando os bancos nacionais com a responsabilidade de estar a altura do desafio.
Convém chamar atenção que as fusões não são algo novo ou estranho no nosso sistema bancário, e veremos já abaixo, porque a dinâmica do próprio sistema faz com que seja normal haver fusões, porque os bancos quando se fundem procuram a diversificar o risco das operações, integração de nichos de negócio, eficiência de custos, e procura modelos de negócios mais direcionados e credíveis.
A nossa história das fusões bancárias remonta a 1975, logo após a independência do país, primeira entre o Banco Totta & Açores e o Banco Comercial de Angola, resultando na criação do Banco Totta & Açores de Angola. Em 1991, com fusão entre o Banco de Poupança e Crédito (BPC) e o Banco Popular de Angola (BPA), resultando no actual BPC.
Ouve também a fusão entre o Banco Africano de Investimentos (BAI) e o Banco Português do Atlântico (BPA) em 2001. Numa estratégia para fortalecer o BAI e a última (antes desta reportada acima), foi entre o Millennium Angola com o Banco Atlântico que deu origem ao novo Millennium Atlântico.
Apesar das fusões aqui apresentadas não estarem directamente ligadas as motivações técnicas e normais dos sistemas bancários, como a do Banco de Poupança e Crédito e o Banco Popular de Angola (por razões de índole política) e a do Millennium Angola com o Banco Atlântico (por orientações do Banco Central Europeu), as fusões e aquisições devem ser sempre viradas para a busca sinergias, quota de mercado, crescimento e diversificação.
Contudo, as fusões e aquisições nem sempre são rosas, pois existem riscos claros e comprovados empiricamente de que o mercado sozinho não se regula e autodisciplina.
Um mercado com a concentração que apontamos no parágrafo 5 deste artigo é perigoso para o sistema bancário, pelo afeito contágio, bem como para a própria economia como um todo, sendo que dificuldades nestas mesmas instituições não se dissipam no agregado do sistema pela dimensão do banco em questão, mas sim colocam em risco o financiamento da economia no geral.
E é de facto um perigo, porque se apenas um punhado de bancos é responsável por financiar mais de ¾ da economia, que na prática significa que financiam toda a economia, teremos um nível de risco sistémico muito elevado, pois se algo de errado acontece com estes 5 bancos por falta de liquidez, o financiamento a economia é posto em causa e as empresas devem falir em seguida, e consequentemente, o próprio sistema bancário todo entra em colapso devido à corrida aos levantamentos (efeito contágio).
Existe a questão intrínseca aos bancos, o risco idiossincrático, que surge quando um determinado banco com grande quota de mercado (fruto de fusões e aquisições resultando numa concentração excessiva) apresenta dificuldade (de liquidez) afectando as varias empresas que financiar, o sistema também é colocado em risco, porque as empresas-alvo entram em dificuldades financeiras e o efeito contágio se torna eminente, porque este banco muito “pesado” no sistema.
Fica muito fácil perceber que para economias pouco diversificadas como a nossa, ou seja, com poucos sectores a gerar emprego e riqueza, adicionado ao facto de apenas 5 bancos financiarem mais de 75% da economia, as fusões e aquisições devem ser escrutinadas de forma muito cuidadosa, estabelecendo linhas vermelhas muito “claras” para os grupos bancários.
É importante supervisores não “engessarem” o mercado com intervenções dúbias e descoordenadas, mas sim perceber as dinâmicas da economia e perceber o que é bom ou perigoso para o mercado, porque as fusões e aquisições são normais e todos mercados e vieram para ficar, só que é preciso perceber quando elas de tornam inimigas da concorrência e da solidez do mercado.
Assim, é função Estado como supervisor, regulador e também fomentador do sistema financeiro como um todo, perceber o mercado e nunca permitir tal nível de concentração em que dois ou três bancos financiem toda a economia, sob pena do sistema bancário e a economia como um todo ficar refém das decisões de dois ou três conselhos de administração.
Por: RUI MALAQUIAS