Naquele dia, na casa da dona Marta, parecia ser uma daquelas noites em que ninguém esperaria passar na vida.
Estavam todos sentados, com os rostos voltados para a televisão, refletindo o vazio dos noticiários. Obrigavam-se a assistir apenas para que a noite passasse rápido.
Os corações estavam cheios de ilusões, excepto o estômago, que se revoltava devido à fome.
A mãe, senhora zungueira de peixe, nas ruas da cidade de Lubango, não conseguiu fazer nada neste dia, pois quando foi buscar o produto à peixaria, disseram-lhe que o preço tinha aumentado.
Como o dinheiro que ela levou não chegava para caular, voltou para casa revoltada e triste por não ter sequer uma posta de peixe seco para dar aos seus filhos.
Saiu de lá bastante pensativa e cabisbaixa.
Pelo semblante, era visível o sentimento de desespero e angústia por não ter noção com o quê iria alimentar as cinco crianças, sendo o mais novo com apenas cinco anos de idade.
Os minutos passavam e a fome não dava trégua.
Os filhos mais velhos, ao se aperceberem do estado da mãe, sabiam que a noite seria lenta e terrível, como alguém que estivesse numa UTI.
No entanto, os mais pequenos não se importavam se havia comida em casa ou não.
O de sete e nove anos pareciam atletas num espaço de poucos metros, indo e vindo da cozinha à procura de um sopro ou de algum vestígio de fervura vindo do fogão.
Infelizmente, tudo o que encontravam era o brilhante alumínio que caracterizava os utensílios.
Um deles, inspirado na coragem dos super-heróis, decidiu enfrentar a mãe e perguntar-lhe:
— Afinal, hoje não vamos jantar, ó mãe? – O restante do grupo entre olhou-se atentamente, esperando por uma surpresa, mas ninguém disse nada.
Dona Marta, sentindo dor no coração, pensou no quanto era difícil ser mãe solteira de cinco crianças e decidiu não derramar lágrimas, para não ser considerada fraca.
Então, chamou a filha até ela e aproveitou a ocasião para explicar a todos: — Meninos, infelizmente, hoje não teremos jantar.
Quando fui ao mercado, encontrei tudo muito caro e não consegui comprar o peixe. Por isso, não fui à zunga. – Mal tinha terminado de falar, um deles, incapaz de conter as lágrimas, retorquiu, soluçando bastante: — Mas ó mãe, onde está nosso pai?
Parece que só você luta por nós. Com um olhar úmido, como se estivesse prestes a derramar rios de lágrimas, ela respondeu: — Meus filhos, o pai de vocês abandonou-me quando eu estava grávida do André. O caçula, no caso.
Por isso – acrescentou –: eu luto todos os dias para que vocês tenham o que comer. Mas nos últimos dias as coisas ficaram muito difíceis. Os preços subiram e não consigo economizar mais.
Tenho até medo de não ter dinheiro suficiente para comprar comida futuramente. A menina, que não tinha aberto a boca desde então, sugeriu à mãe para que ela, a filha, fizessem uma papa de fuba de milho que tinha sobrado no almoço.
Não havendo açúcar para adoçála, e a mãe não querendo mexer no dinheiro de caular, Marizinha reforçou dizendo que tinha guardado um pouco de açúcar e que seria suficiente para alimentar apenas os mais pequenos, porque os mais crescidos conseguiriam aguentar a noite com fome até o dia seguinte.
Não resistindo a tudo isso, a senhora começou a lacrimejar, sem soluções ou expressões faciais amarradas, apenas apertava a dor para não ser exposta.
Depois de tanto diálogo, os mais pequenos adormeceram sem provar a papita que a irmã estava a fazer.
Ao terminar de cozinhar, ela pediu que Marizinha servisse os que estavam sombrios, enquanto levava o mais pequeno para dormir.
No quarto, ajoelhou-se diante do corpo do rapaz e recitava suas preces ao Deus em quem acreditava. Sentindo muita paz e confiança para o dia seguinte, ela acabou por adormecer.
Aqueles, que estavam na sala a assistir televisão com uma antena improvisada de garfo, entenderam que também era hora de ir deitar, já que a mãe não dava sinal de vida.
Dentro do quartinho deles, a menina pediu ao irmão que fossem, antes de se deitarem, de joelhos para agradecer pela papita e pedir ao Pai dos Céus que o dia que se avizinhava fosse melhor.
Todos, confiantes e cientes de que o dia de amanhã seria melhor, adormeceram apaziguados do ambiente ora vivido.
Quem sabe tudo se resolva e no dia a seguir a esse comam condignamente. A ver vamos. Entretanto, pensamos que essa é a condição da maioria miserável que, infelizmente, luta por uma única e simples refeição.
Embora parcial, o sofrimento é real; romantizá-lo é o mesmo que dizer que não existe abastados e zungueiras com as mãos calejadas de tanto trabalho duro.
Tentar romantizar a fome do outro é ignorar o facto de que, neste momento, duas ou milhares de famílias não tiveram jantar ontem e hoje não terão matabicho tampouco almoço.
Sem mesmo conseguir nada, não desistem fácil.
Há quem diga que não só comete suicídio porque tem certeza de que a fome fará esse trabalho por ele. No entanto, muitas são as pessoas que só vivem porque a graça, segundo sua fé, é uma realidade.
Até que aqueles que têm o poder decidam pelas nossas vidas, veremos quem sobreviverá neste deserto de famintos por um propósito bem arquitectado maquiavelicamente falando.
Contudo, assim como acreditaram a senhora, sua filha e seus irmãos, não vamos desistir ainda, tempos melhores virão.
Por: GABRIEL TOMÁS CHINANGA