Desde os primórdios, a música e a poesia sempre andaram de mãos dadas, sobretudo, o estilo musical denominado “Rap”, considerado uma poesia musicada em função dos seus elementos intrínsecos: ritmo e rima, ou seja, é uma mistura de ritmos intensos com rimas poéticas que fazem referência a um contexto social, cultural, político, académico, etc.
Tanto o “rap” quanto o poeta são considerados artistas da palavra, uma vez que trabalham com palavra a fim de causar catarse aos ouvintes ou leitores. Desde Neto até à actualidade, as quitandeiras (zungueiras) foram o epicentro da representação da mulher numa sociedade capitalista e economicamente instável.
MCK, rap angolano de intervenção, em “Sementes” (2024), dedica uma faixa musical a essa franja da sociedade, a passo que Hélder Simbad dedica o livro completo, “Dorsal Grito da Zunga” (2024), às guerreiras angolanas.
Na faixa “Mercado Aéreo”, também conhecido como zunga, MCK descreve o panorama do mercado informal, mas Simbad retrata, de forma sagaz, a venda ambulante, queiramos concordar: “um estilo de vida o qual muitos angolanos se revejam.”
O valor semântico e representativo daquilo que chamamos zunga estão representados nas duas obras, de um lado a música, de outro lado a poesia. Por um lado, ambos artistas trazem à tona o conhecimento geográfico e financeiro das zungueiras, destacando, desta forma, o mapa de Angola desenhado no seu cérebro; diante da perda constante da moeda nacional, elas são versadas em matéria de Economia, desafiam a situação financeira a partir da poupança colectiva, vulgarmente, conhecida como kixikila; por outro lado, ambos denunciam os abusos de poder dos fiscais para com as zungueiras, bem como intercedem por elas no que toca à petição de um espaço fixo para as suas práticas quotidianas, portanto o mercado aéreo/voador é um parlamento móvel onde cada bancada representa um grupo parlamentar sem Lexus, sem regalias e sem impunidades, por fim, cuja voz ninguém de direito se importa.
Por: ESTEFÂNIO JOSÉ CASSULE