Surpreendente, é o qualificativo mais adequado para descrever a intensidade que as relações entre a China e Angola assumiram a partir de 2002. Nada de fundamental na história prévia, mesmo se começarmos na época colonial, indicaria tal pujança.
O certo é que estas relações foram denominadas por alguns autores como “O Modelo Angolano” que teria inspirado as restantes interações de China com África.
Não seguindo essa visão, antes entendendo que a atuação da China em cada país africano obedeceu a um modelo de pragmatismo concreto, o certo é que este relacionamento entre países tão diferentes se tornou paradigmático e é olhado com extrema relevância por todo o mundo.
Consequentemente, atendendo à importância de referência da relação sino-angolana, este trabalho tentar lançar algumas linhas de futuro, procurando descortinar os caminhos de aprofundamento e de eventual aperfeiçoamento, num tempo de mudança não linear do cenário global.
Outros exemplos poderiam ser trazidos à colação para demonstrar a continuidade das boas relações políticas e económicas entre Angola e a China, mas basta atentar ao essencial para entender que a história não acaba aqui.
E o essencial é que Angola é, para todos os efeitos, um dos espelhos principais da China em África, e uma quebra da relação é uma situação lose-lose para dois países que fizeram do win-win um objetivo fundamental, além de dar razão aos críticos da presença da China em África.
Consequentemente, o trabalho a realizar é vislumbrar as linhas de ação conjuntas numa relação em maturação.
Acreditamos que essas linhas são algumas que identificamos e descrevemos de seguida sumariamente. Alternativa ao multilateralismo Ocidental.
O sistema financeiro mundial foi organizado para o pós Segunda-Guerra Mundial (1939-1945) em Bretton Woods.
Uma boa parte dessa arquitetura já colapsou nos anos 1970s, mas algumas organizações de relevo para África, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) permanecem como pilares da estabilidade financeira e económica.
Angola já teve várias intervenções do FMI, designadamente em 2009 e recentemente em 2018/2021. A questão é que essas intervenções não têm sido um sucesso, pelo contrário, têm-se saldado por fiascos a médio-prazo.
Após a intervenção de 2009, logo em 2015, o PIB já só crescia 0,9% e em 2016 o país entrava numa recessão prolongada.
Agora, após a intervenção de 2018/2021, que tantos elogios mereceu ao FMI, o país encontra-se novamente em grande sobressalto económico, parecendo que nenhum dos grandes problemas foi resolvido.
Quer isto significar que a metodologia do FMI e das instituições de Breton Woods têm grandes deficiências quando aplicadas a economias em construção institucional como são a maior parte das economias africanas.
A China está a fomentar uma arquitetura alternativa a Bretton Woods. De forma sintética, podemos referir a instituição do Banco Asiático de Infraestruturas e Investimentos (AIIB) para desempenhar um papel semelhante ao Banco Mundial e a criação do Arranjo de Reservas Contingenciais (CRA) dos Brics para se tornar de algo similar FMI, finalmente, a CIPS, paralela à Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT) para que as transações financeiras internacionais, que envolvam a moeda chinesa sejam controladas pela China.
De igual forma o uso da moeda chinesa como moeda de reserva e pagamentos internacionais pode ser um ponto de colaboração económica nesta perspetiva de complementaridade.
Como tem sido apanágio recente de Angola a entrada ou colaboração com estas novas estruturas chinesas não quer significar o abandono do FMI e Banco Mundial, mas sim a procura de complementaridades e ponto de apoio diversos.
Cooperação na reforma da administração pública.
Sendo a China um dos países mais populosos e maiores do mundo, com uma civilização milenar dotada de um poder central, mas com muitas especificidades locais, é natural que tenha desenvolvido uma ciência e prática da administração pública muito apuradas.
O sistema administrativo chinês que encontra as suas raízes históricas no mandarinato, tem sofrido várias adaptações desde a reforma e abertura encetada em 1978.
É precisamente toda esta experiência administrativa chinesa que pode servir de base para uma necessária reforma administrativa em Angola, uma vez que o país ainda se encontra estruturado segundo padrões e influências coloniais que não têm sido responsivos às necessidades das populações.
Um programa de trabalho entre China e Angola na área do desenvolvimento da administração pública angolana seria de grande mais-valia.
Em conclusão, este é o tempo da busca da harmonia entre os dois países.
A China é um parceiro estratégico de Angola, que tem apoiado o seu desenvolvimento económico e social, a paz e estabilidade.
Na África e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa os dois países têm construído uma parceria de benefício mútuo, que abrange diversas áreas como o comércio, o investimento, as infraestruturas, a energia, a agricultura, a saúde, a educação, a cultura e a defesa.
Os dois povos partilham alguns valores comuns, como o desejo de paz e progresso.
As relações entre a China e Angola devem ser um exemplo de uma cooperação Sul-Sul de sucesso, que contribua para o bemestar dos dois países e para a construção harmoniosa de uma comunidade humana em paz.
Por: RUI VERDE
African Studies Centre, University of Oxford