Foram três os exemplares do Tio Patinhas, Mickey Mouse e uma revista Sputnik que me salvaram de uma valente sova nos idos anos 80 por ter usado um dinheiro que encontrara num objecto em casa. O facto de os ter adquirido, e tratando-se de livros que pudesse ler em casa, fez com que o meu malogrado pai persuadisse a também finada mãe a não me tocar.
Hoje, se fosse o meu caso, claramente que teria uma opinião contrária sobre como se poderia lidar com esse tipo de situação, mesmo que o prevaricador fosse um mais novo. Foi o amor pela leitura dos desenhos animados que posteriormente despertaram a atenção para outras obras que sempre existiram em casa. Uma primeira aventura foi um célebre de Mongo Beti, daquelas colecções que o Instituto Nacional do Livro e do Disco punham à disposição dos angolanos, traduzindo célebres autores africanos.
Há dias, quando voltei a ler sobre o Planaleitura vieram-me à memória as inúmeras aventuras que tivemos enquanto mais novos para gostar de leitura, uma odisseia em que contribuíram também os próprios progenitores. Longe das épocas das redes sociais, nem dos influencers, era comum encontrar-se nas residências, incluindo de pessoas menos abastadas, algumas obras literárias e outros ensaios, nem que fossem escritos ligados aos movimentos políticos e ideologias que vigoravam nos primeiros anos de independência, vigorando até aos meados dos anos 90, por exemplo. Foi de pequeno que se começou a torcer o pepino, como se soe dizer.
O que fez com que muitos angolanos pudessem desde mais novos olhar para os livros sem receios, uma paixão que se consolidou no ensino primário e no médio. São poucos os estudantes entre os anos 80 e 90 que não tenham lido as principais referências literárias deste país. Por isso, conseguimos compreender Agostinho Neto, Pepetela, Manuel Rui Monteiro, Antero de Abreu, Luandino Vieira, António Cardoso e outros.
Era difícil não se apaixonar do outro lado por Gabriel Garcia Marques, Naguib Mafouz, Saramago, Garcia Llosa. O Planaleitura nasce num tempo de modernidade. Mas não seria nada errado se se buscasse também alguns pressupostos que fizeram com que naquela fase não víssemos os livros como inimigos, como acontece hoje com muitas crianças e adolescentes