Há uns anos, em serviço, dirigi-me às províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul para apurar os casos de suicídios que ocorriam quase em catadupa. Preocupou o facto de muitas das vítimas serem crianças, mas que não hesitavam em pôr fim à vida quando fosse necessário.
Em conversa com parentes próximos, incluindo pais e irmãos, as razões evocadas eram quase todas insignificantes. Desde um simples grito dos progenitores, às desconfianças por causa de um suposto furto e as habituais acusações de feitiçaria que abunda em muitas regiões do território angolano.
Naquela época julguei até, erradamente, que se tratas- se de um problema cultural. Tudo porque aquela parte do país mostrava-se como a mais visada, dando a impressão que nas restantes, isto é, no Norte, Centro e Sul o fenómeno fosse praticamente inexistente.
Aos poucos, passados mais de 10 anos, a realidade vai demonstrando o contrário, hoje com a prática a se estender a todos os cantos, sendo um dos momentos marcantes o suicídio de um soba no Huambo, recentemente, que não se compadeceu com as incriminações de feitiçarias feitas por pessoas próximas.
Todavia, Huambo, embora tenha este último caso assinalado, não é a campeã em termos de suicídios ou pessoas com tendências suicidas. As províncias de Luanda, a capital e a mais populosa do país, e Huíla, a segunda em termos de população, são as que nos últimos tempos viram as suas estatísticas disparar consideravelmente, um alarme que não pode ser menosprezado pelas autoridades sanitárias e, sobretudo, políticas.
Só em Luanda estiveram em tratamento por causa de conduta suicida 11.570 indivíduos no ano passado. Uma cifra assustadora. Entre as causas estarão, segundo a coordenadora do Programa de Saúde Mental em Angola, Massoxi Vigário, os transtornos mentais orgânicos, doenças por consumo de álcool e drogas, esquizofrenias, transtornos de ideias delirantes, de humor, neuróticos, o stress, epilepsias, auto-mutilação e conduta suicida, como as principais enfermidades. E ainda outros casos que têm relação com o uso abusivo de álcool e outras drogas como cocaína, crack e liamba.
Muitas das causas derivam de expectativas frustradas ou até mesmo de situações que podem ser contornadas ao nível da própria vida social, política e até económica. Se se tiver em conta que elas são avançadas por indivíduos com idades compreendidas entre os 14 e 61 anos de idade, tem-se a percepção de quem são estes angolanos que aos poucos vão achando que não lhes resta outra solução senão pôr termo à própria vida.
A morte por suicídio ou não de um indivíduo, quando por causas evitáveis acontece, deveria ser motivo de reflexão bastante em qualquer sociedade e, com isso, mobilizar esforços dos seus responsáveis, sobretudo políticos, mas que outras não venham a acontecer. Porém, a existência de mais de 11 mil pessoas com tendências suicidas deve ser razão suficiente para que as autori- dades angolanas procurem averiguar, com sensatez, o que estará a falhar, rapidamente, e encontrar soluções de facto que possam cortar este ímpeto.