Eram sete horas da manhã quando um telefonema, de um número até então desconhecido, atrapalhou a leitura de mais uma das páginas de um livro que há muito aguarda para ser devorado. Do lado oposto, a voz deixou de ser estranha quando me apercebi que se tratava de uma pessoa próxima que se pretendia queixar de mais uma onda de demo- lições que iriam acontecer numa das zonas do Zango, no município de Viana.
Inconformado, o rapaz também receberá um telefonema da irmã dando conta que supostos fiscais da administração local estavam a destruir as obras de um complexo habitacional onde teve a sorte inicialmente e o azar, por estes dias, de conseguir uma daquelas chamadas casas inacabadas. Conhecendo o que se passa em Luanda, onde até hoje, volvidos vários anos desde que um grupo se candidatou para adquirir terrenos, pagou e mesmo assim nunca teve sequer uma palavra de apreço da parte da então governadora de Luanda que dirigiu o referido processo, não sabia como consolar o jovem, recém- casado e que a todo o custo procurava dar mais um passo na sua vida.
À semelhança das próprias administrações municipais, que não facilitam na criação de condições para que os cidadãos tenham, em tempo útil, todos os documentos necessários para que possam erguer as suas residências, através do processo de auto-construção, do lado oposto existem, igualmente, os temíveis e conhecidos exércitos de burladores de terra que vão encurtando o sonho da casa própria de muitos angolanos.
Sempre se soube, através até das próprias administrações municipais e entidades oficiais, que muitos dos ditos burladores de terrenos têm a protecção de entidades militares e até policiais, muitos dos quais nem sequer pestanejam quando se trata de mais uma invasão de espaços alheios ou mesmo a burla de terrenos que sempre tiveram os seus legítimos proprietários.
Só que esses, num ápice, acabam também por perder os seus direitos, porque com uma facilidade esquisita aparecem sempre um segundo ou terceiro dono com os mesmos documentos. Aos poucos, infelizmente, os cidadãos acabam por ter medo tanto das próprias administrações municipais como também dos chamados burladores. Tu- do porque se a legalização é um autêntico problema, a falta dela propicia que os burladores, mesmo sem o consentimento de quem já lá está, entram na jogada, impedindo a construção de imóveis e matando o sonho de muitos angolanos. E muitas vezes alertados até mesmo por quem tem apenas a missão de facilitar a legalização dos espaços.
As consequências que as burlas e até mesmo hipotéticas conivências de autoridades vão criando nesta luta por terrenos na capital do país impõe a adopção de medidas que possam travar os males que foram surgindo ao longo dos anos. E, de igual modo, é também imperioso que até mesmo no âmbito do chamado Simplifica se adoptem mecanismos que possam propiciar aos cidadãos segurança quando estiver em causa o reconhecimento das suas terras para os diversos fins que pretenderem. Até ao momento, com a passividade burocrática, em alguns casos até parece mesmo provocadas, são as máfias de terreno que vão vencendo as batalhas e ultrapassando o próprio poder do Estado. E o rapaz que viu a casa destruída pode ser mais uma das milhares de vítimas desesperadas em Luanda e noutros pontos do país.