Tive ontem o privilégio de estar com o juiz Ismael Silva. Há muito que tínhamos agendado este encontro, embora seja ele um magistrado em serviço no Huambo, mas o facto de presidir a Associação dos Juízes de Angola exigia que nos encontrássemos para abordar questões relevantes que têm que ver com esta classe.
Quando reconfirmamos o encontro de ontem, há uns dias, houve logo um sorriso de ambos os lados. Afinal, se há algum tempo achávamos imperioso falar sobre a agremiação e os juízes, cujo grupo ele dirige, os acontecimentos dos últimos dias tornaram a nossa conversa ainda mais interessante.
Não há dúvidas que nos dias de hoje os juízes estarão a viver um dos piores momentos da sua história. De uma actividade nobre, em que muitos se esforçam para lá chegar, longe de olharem para as regalias que se possa oferecer ou os apetites que possam sempre surgir, os magistrados estão hoje a ser escrutinados pela sociedade devido aos sucessivos escândalos e acusações que nos chegam.
Quase que diariamente! Não há memória de que num passado recente se tenha vivido um momento tão escuro e obscuro como este. Em que uma juíza conselheira presidente do Tribunal de Contas pudesse ser publicitada como não tendo merecido mais a confiança do Presidente da República ou mesmo de um Juiz presidente do Tribunal Supremo que esteja a ser alvo das mais aterradoras acusações de que se esteja a locupletar de dinheiros e meios da instituição para proveito próprio. Embora gozem ainda da presunção da inocência, o que se passa a nível da magistratura judicial mergulhou os profissionais da área numa crise quase sem precedentes. Não nos lembramos de um período semelhante.
Nem quando o país se tornou independente e até mesmo quando entrou para o jogo democrático. Pode-se dizer que não exista nada de concreto em relação a um dos acusados, mas o facto de existir já um processo como a então presidente do Tribunal de Contas de- monstra que as evidências são fortes, havendo igual- mente probabilidades de que venha a ser condenada por extorsão, peculato e não só. Quem diria, vindo sobretudo de quem deveria ser o garante das nossas finanças públicas. Quanto a Joel Leonardo, o que se trouxe para a praça pública exige deste – ou dos seus representantes – uma verdadeira operação que permita com que os angolanos possam, no mínimo, acreditar que não se esteja perante um grupo de pessoas de má-fé naquele que é o seu principal tribunal de recurso.
É comum em situação do género falar-se em cabalas ou ainda acções de indivíduos que tencionem manchar a imagem de outras. Porém, ao longo dos meses se poderia, em algum momento, criar-se condições e situações para se contrapor o rol de acusações, algumas supostamente documentadas, sobre as principais figuras que encabeçam o Tribunal Supremo. Ontem, os juízes e outros funcionários dos tribunais reivindicaram em silêncio pela falta de condições de trabalho e também por uma melhor remuneração. Trata-se, segundo eles, de uma reivindicação justa, a julgar por aquilo que têm feito e o estado das infra- estruturas em que labutam. Só que por estes dias de- verá existir um maior investimento em se recuperar a imagem que vai sendo chamuscada. É que nunca se pensou tão mal ou se suspeitou de quem deve defender os cidadãos como hoje.