Ainda sonho com o dia em que um partido vencido, nas eleições legislativas em Angola, possa reconhecer, livremente, o seu resultado, deitando de lado as inúmeras suspeitas que se vão levantando ano após ano.
Mais de 30 anos desde a implementação da democracia, não houve até aos dias que correm da parte do maior adversário político do partido no poder um gesto semelhante. Foi a partir de 1992, quando ainda tinha no leme o próprio líder fundador desta organização, Jonas Savimbi, que se baptizou o célebre discurso da existência, perdurando no tempo por mais de três décadas.
Apesar destas desconfianças, uma prática comum em África, agora também adoptada por políticos em países como os Estados Unidos e até mesmo o Brasil, não perdi sequer as esperanças de que um dia venha também a assistir alguma combinação de interesses entre os principais partidos que integram a Assembleia Nacional, sobretudo quando estiver em causa a discussão e a aprovação do Orçamento Geral do Estado.
Eu ainda sonho também neste dia. Em que, por exemplo, políticos do MPLA, UNITA, PRS, FNLA e outros se revejam num mesmo documento, como o que será levado à discussão esta semana. Isso iria quebrar os mais de 30 documentos similares, ao longo de três décadas, que já passaram pela casa das leis, mas que nunca levaram um ‘SIM’ dos integrantes do maior partido da oposição, sendo que o menos ‘chumbo’ tenha sido uma abstenção não há muito tempo.
Não que seja um apoiante em tempos democráticos dos unanimismos, mas sim porque os consensos em determinados períodos acabam por ser um sinal capaz de galvanizar as bases e são bons indicadores até para os possíveis investidores externos.
Creio que não será desta que os meus intentos serão realidade. Vou continuar a alimentar os meus sonhos sobre o futuro, mas longe dos extremismos que vamos observando até agora em países que antes eram vistos como referências para o nosso em termos de democracia e da preservação que este modelo político sempre procurou vender aos demais estados.
Quem diria que um dia o Capitólio, nos Estados Unidos, um dos bastiões da democracia no mundo, ou ainda a praça dos três poderes, em Brasília, pudessem ser invadidos por populares que se dizem democratas e alardeavam aos quatro cantos do mundo a defesa deste sistema.
Coincidentemente, as invasões nos dois países tiveram como base a derrota de dois presidentes aficionados, nos casos Donald Trump, nos Estados Unidos da América, e Jair Bolsonaro, no Brasil. É curioso que o segundo, depois de perder as eleições, o antigo estadista brasileiro se tenha refugiado numa propriedade que se diz pertença do ex-presidente norte-americano, na Florida, de quem se diz que receba conselhos.
Extremistas e polémicos quanto baste, Trump e Bolsonaro têm em Steve Bannon um dos principais influenciadores. Bannon é aquilo que se pode considerar um verdadeiro incendiário, acusando tanto as autoridades norte- americanas como as brasileiras de terem roubado a vitória aos seus dois ‘bebês’ políticos.
Cada país tem os seus Steve Bannon. Os partidos, a sociedade civil e as igrejas até em Angola têm-nos. Uns mais ou menos doseados, mas indivíduos como estes que não olham a meios para se mostrarem e levarem até ao precipício os seus concidadãos. E o pior de tudo é que eles se apresentam como democratas. Mas não aceitam críticas nem se deixam convencer com o que lhes está a mão de semear.
São estes Bannon, que nem sequer conhecem o sabor das desgraças que as convulsões e as guerras provocam, que alimentam a teoria do caos sentados em palacetes com taças de vinho. São eles, muitos dos quais conhecemos, que não deixam sequer que os nossos sonhos se tornem realidade.