Dois julgamentos dominam a agenda noticiosa nos últimos dias. Um deles, que já se encontra na recta final, envolve o antigo governador da Lunda-Sul, Ernesto Kitekulo, a quem o Ministério Público já solicitou a sua condenação, por ter feito pagamentos em ordem de saque sem que, no entanto, obtivesse consenso dos seus pares, tal como recomendam os procedimentos para o efeito.
O segundo julgamento, que agora começou, envolve um antigo diplomata, no caso embaixador de Angola na Etiópia, acusado de se ter apossado de cinco milhões de dólares norte-americanos que serviriam para benfeitorias na referida representação diplomática.
À semelhança do que se vê em muitas empreitadas que envolvem o Estado angolano, nesta também se desconfia que existirão algumas jogadas ocultas em que se tenha beneficiado o próprio diplomata.
Porém, não deixa de ser curioso, por exemplo, que alguém a quem tenha sido incumbida a missão de orientar os processos de construção de imóveis apareça no final do próprio.
Na verdade, torna-se cada vez mais evidente que muitos funcionários públicos ou seus parentes directos dificilmente se vão desligar do apetite desenfreado de lesar o Estado, recorrendo a expedientes dignos de animarem tertúlias, inspirar bons romances ou até mesmo dar lugar a peças teatrais que encheriam as salas de espectáculos.
Lembro-me, há alguns anos, de ter entrevistado uma conhecida advogada que, num caso, passou de defensora para acusadora, salientando, ironicamente, que tivera conhecimento da causa que lhe fez ‘apunhalar’ o primeiro contratante num salão de cabeleireiro.
No caso do diplomata, é assustadora a forma como se menospreza, por exemplo, que este tenha contraído um empréstimo a uma empresa a quem tinha sido adjudicada uma tarefa.
E os argumentos do seu advogado, ontem, durante a sessão desta semana, vão no sentido de que “as transferências feitas pela empresa NIBRAS Prestação de Serviços foram na base de uma relação particular e nada tem a ver com o valor da empreitada, nem o ‘down payment’, conforme reza a acusação”.
Como se não bastasse o facto de se ter enviado o dinheiro público para a conta do funcionário do Estado, a relação entre este e uma empresa participada para empreitada pública é vista com alguma ligeireza, mesmo se sabendo que fere com determinados princípios.
É assustadora neste país a forma como muitos sacodem o capote para justificarem a proveniência de muitos fundos incapazes de serem esclarecidos se apertados.
Estamos lembrados, por exemplo, de que Angola é o mesmo país no qual tivemos uma bilionária que chegou a grandes fortunas depois de ter iniciado um negócio de venda de ovos.
É ainda o país onde um político escreve — ou manda escrever — uma biografia e a dado momento diz, por conseguinte, pode-se ler, que a criação de uma coligação tenha sido com ajuda de um primo, que lhe oferecera 2 milhões de dólares norte-americanos, mas isso não gera curiosidade.
A criatividade com que procuramos justificar algumas acções, e sobretudo o acesso ao capital de muitos governantes, políticos e outras pessoas politicamente expostas, é digna de aplausos.
É por isso que muitos não se coíbem em dizer que, apesar dos seus problemas, Angola é mesmo fixe.