Poucos se devem recordar do famoso melão de ouro. Embora o tempo passe, este episódio, que consistiu na venda de uma unidade deste produto agrícola por cerca de 100 dólares, numa famosa cadeia de supermercados ainda existente em Angola, representou um dos momentos mais aberrantes em que senti na pele que era importante investir-se, seriamente, na agricultura.
Lembro-me de, num dado momento, em Portugal, por sinal, ter solicitado num restaurante que me fosse servido uma fatia de melão, muito antes até de ter iniciado a refeição principal. Curioso, o garçon do espaço questionou-me por que queria já o melão, se ainda havia muito para degustar.
Disse-lhe, com alguma ironia à mistura, que pretendia apenas saber se um melão inteiro me poderia ficar em cerca de 100 euros, ao que ele estrebuchou, garantindo-me que, pelo referido valor, entregar-me-ia uma caixa cheia desta fruta. E, meio sério, meio a brincar, concluiu dizendo que ‘vocês em Angola aceitam tudo e mais alguma coisa sem pestanejar’.
Apesar de o primeiro Presidente da República de Angola, António Agostinho Neto, ter referido, inúmeras vezes, que a agricultura era a base e a indústria o factor decisivo, durante largos anos o país viveu quase que à margem das grandes apostas que o sector da agricultura necessitava para que se alcanças- se a segurança alimentar, por sinal mote da presente edição da Feira Internacional de Luanda (FILDA) 2024, cujo encerramento está aprazado para o próximo dia 28 do corrente mês.
A economia do navio, consubstanciada na importação de quase tudo, sobretudo cereais e alguns produtos de fácil produção a nível interno, subsistiu durante vários anos.
Afinal, sempre foi uma fonte de enriquecimento fácil, principalmente de monopólios que se enraizaram, alguns dos quais ainda persistem nos nossos dias.
Aos poucos, embora se exija muito mais, a agricultura vai ressurgindo fortemente na agenda oficial e, igualmente, na dos próprios agricultores familiares e os grandes produtores.
Há, claramente, um maior apoio do Estado, o que se deve repercutir, nos próximos tempos, nos pratos dos cidadãos que hoje ainda convivem com os preços assustadores de muitos bens de primeira necessidade importados.
Angola, que até então estava muito distante dos 10 por cento que se exige para a agricultura, está a mais de 50 por cento desta cifra.
Os sinais destes tempos, em que se fala em grandes produções de cereais, hortaliças e até frutas, em quase todo o país, levam-nos a acreditar que se esteja a caminho daquilo que Agostinho Neto previu um dia.
E assim, talvez, nenhum comandante de navio, angolano ou estrangeiro, atrever-se-á nos impingir melões, nem outros produtos agrícolas a preços exorbitantes, por simples caprichos.