Nunca mais havia ouvido falar da Comissão de ética e Decoro da Assembleia Nacional, aquela que tem por missão velar pela boa actuação dos parlamentares em qualquer democracia. Em tempos ido, era conhecida apenas pela designação ‘Nona Comissão’.
Ao longo dos mais de 30 anos de democracia em Angola, não obstante o prolongamento da guerra civil que só veio a cessar em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, no Lucusse, Moxico, foram várias as vezes em que a nona comissão foi chamada a averiguar acusações e pôr na linha quem se tenha desviado dela. vimos e acompanhamos vários casos, alguns dos quais acabaram por ser resolvidos em tribunais.
Cada um com a sua especificidade, se podemos considerar. Mas, ao longo destas três décadas, não nos lembramos de que tenha surgido um semelhante ao caso que nos últimos dias tem feito furor na imprensa, em que um deputado da UNITA vai ser investigado por ter transformado o carro protocolar num veículo de aluguer para interesses particulares.
Inicialmente, quando começaram a surgir as primeiras informações, lançadas pelo jornal electrónico Pungo Andongo, houve quem estivesse tentado em julgar que se tratava de uma aludida perseguição, por- que muitos acreditam que existam apenas no Parlamento um grupo de gente santa e um outro de pecadores. Dias depois, soube-se que não se trata de nenhum trote.
O deputado tem nome, pertence ao círculo provincial do Cuanza-Norte. E pior: as primeiras averiguações indicam que a viatura Land Cruiser, propriedade do Estado angolano, encontra-se em parte incerta, havendo quem presuma que possa ter sido roubada.
Durante as fases eleitorais, acompanha-se, a nível dos vários partidos participantes às eleições, autênticas maratonas nos corredores para que muitos políticos possam estar em posições elegíveis. Em muitos casos, assiste-se, inclusive, a fortes jogadas de bastidores e tráfico de influência para que alguns sejam eleitos.
Quando se chega ao Parlamento, há uma ideia genera- lizada de que se vai ter um bom salário, subsídios vá- rios, incluindo um de instalação orçado em mais de 22 milhões de kwanzas, mesmo quando se tem uma casa própria, e outras benesses.
Só este subsídio equivale a mais de 700 salários mínimos de um funcionário em determinados sectores de vida da economia angolana. À partida, com os subsídios e salários, que rondam os dois milhões de kwanzas, pressupõe-se que um parlamentar pode viver honestamente sem que se tenha de enveredar em práticas menos boas para se ter acesso a outras fontes de capital.
Depois de ter sido inquirido pelo próprio partido, a UNITA, acredito que muitos dos seus companheiros não terão ficado satisfeitos com as explicações dadas. De igual modo, os integrantes da Comissão de Mandatos e Decoro farão contas para perceber o que terá faltado ao colega para que tivesse colocado o carro da própria Assembleia Nacional para aluguer de quem es- tivesse interessado, com os riscos de segurança que pudessem advir.