Há dias dei por mim a ler Maurice Duvergier. “Introdução à Política” é o título de mais um dos livros que consta agora da cabeceira, acompanhado de outros que um dos meus infalíveis companheiros sugeriu. Ler ou falar de política nos dias que correm pode ser até fatal. Aliás, os pensamentos partidarizados entre muitos e a bipolarização das consciências levam a que muitos não se misturem ou até mesmo apresentem palavras de ocasião quando se está em análise questões como o poder, a sua partilha e os interesses que andam à sua volta.
Há dias, durante a reunião do Comité Central do MPLA, o líder do partido, João Lourenço, chamou a atenção, no discurso de abertura, ao facto de existirem indivíduos que “hoje, na tentativa de regresso ao passado dourado, financiam a luta para derrubar o MPLA, partido político verdadeiramente empenha- do na luta contra a corrupção”. Não há dúvidas de que os anos dourados de muitos em Angola, assim como a influência junto às cercanias do poder, criaram e alimentaram a tese de muitos pertencerem a uma certa elite que julgar superior a outras ‘espécies angolensis’.
Aliás, a forma como muitos viviam — embora se saiba que do erário — e onde gastavam as suas fortunas acabou também por indicar os gostos e tendências em relação à vida política, compreensão dos problemas dos angolanos, assim como os desejos que possuem quanto ao país. Para muitos, Angola é e sempre foi unicamente a lavra dos proventos, apostando no exterior para a vida luxuosa e o desfrute nos paraísos em que esconderam não só as fortunas, como os imóveis adquiridos ao longo dos anos. Como aponta Duvergier, poderemos, hoje, estar a assistir a várias lutas.
Uma protagonizada por aqueles que verdadeiramente ambicionam resolver os problemas do povo — ou tentam, apesar dos inúmeros problemas —, outra que é própria de quem pretenda chegar e tomar o poder, assim como uma final das elites que não querem ver-se livres dos tachos. Não nos espantemos se entre nós, pelos corredores, onde se prolongam muitas conversas e até decisões sobre o destino actual dos angolanos e os que lhes reserva o futuro, existam os que se arroguem como sendo os verdadeiros patriotas e, por isso, se julgavam intocáveis. Mesmo sabendo que não podem ser dissociados das culpas que fizeram com que nos tornássemos num dos países ainda mais pobres do mundo e com uma crise económica sem precedentes desde 2014.
Longe de assumirem verdadeiramente o poder, o que muitos ainda nos nossos dias mantêm vivo é a necessidade cega de serem recordados e não se sentirem afastados daqueles círculos em que regular- mente lhes possa oferecer as luzes da ribalta, nem que seja de forma ténue. A estes, por incrível que pareça, desde sempre terá faltado a percepção de que aos angolanos nunca importou muito aquilo que acumularam de forma indevida.
O que se esperava, desde então, é que houvesse apenas acesso à água, energia, saúde, habitação, boas estradas e o mínimo de alimentação, que possibilitasse uma ceia nesta quadra festiva. E, com isso, a maioria da população quase que não se daria o prazer de mergulhar no mundo nem nos prazeres e sonhos daqueles que sempre se julgaram os donos disto tudo, em qualquer época.