A odisseia de dois africanos que viajaram escondidos num compartimento exterior de um navio até ao Brasil foi umas das mais marcantes histórias que vi, ao longo destes anos, de jovens que tudo fazem para fugir dos conflitos e das péssimas condições ainda existentes em muitos países do continente berço. Curiosamente, só já em território brasileiro que se aperceberam onde estavam.
Um deles não tinha sequer noção onde poderia estar, embora para eles o que interessava era sair de África, como hoje muitos ainda fazem. Apesar da miséria que se vive em muitos países africanos, o continente ainda é visto como um território promissor. Tem terra, água, solos ricos e uma juventude pujante que pode alavancá-la caso existam condições que não propiciem a saída, mas sim cimentem a permanência destes cérebros. É a estes jovens, estudantes, intelectuais e até desempregados que ontem, em Luanda, alguns chefes de Estado, antigos estadistas, acadêmicos e outros intelectuais lançaram o repto sobre a necessidade de desenvolvimento do continente e o contributo destes.
As políticas governamentais e, sobretudo, o exemplo dado por muitos dos governantes acabam por impactar positiva ou negativa- mente na tomada de decisão por parte daqueles que se veem sem qualquer esperança. É preciso que os governantes, à semelhança do que fazem muitos, consigam transmitir aos demais esse espírito de que o continente tem futuro mais com acções do que propriamente com discursos. Chega a ser repugnante observar a forma quase doentia como até nos dias de hoje jovens quadros, muitos dos quais se esperava sinais de luz, se entregam aos prazeres do outro lado do Atlântico, Índico ou mesmo do pacífico em detrimento do que se pode conseguir deste lado do Atlântico.
Há quem venda a ideia do sonho de os africa- nos se puderem realizar em África, mas são os primeiros a comprarem casas no exterior, isto é Europa e América, onde acabam por enviar com antecedência os seus próprios parentes. Não repugnaria se estes actos fossem praticados por empresários, desportistas e outros quadros do sector privado.
Porém, o mesmo já não se pode compreender quanto aos gestores públicos, políticos que prometem fundos e mundos aos africanos, incluindo jovens. E muitos destes jovens políticos, que também já investem tudo lá fora, infelizmente, têm responsabilidades acrescidas na vida daqueles que hoje fogem de um sacrifício que poderia ser melhor resolvido se a distribuição da riqueza fosse mais consentânea.