No seu livro “Preconceito linguístico: o que é? Como se faz?”, Marcos Bagno, em relação ao facto de as pessoas dizerem que falar português é muito difícil, declara que é comum esse tipo de afirmação porque somos obrigados a decorar regras gramaticais que não nos dizem nada.
Na sequência, ele desaconselha o ensino dessas regras nas escolas. Mas será que as pessoas dizem que falar português é muito difícil pelas razões que ele apresenta? E temos mesmo que parar de ensinar regras gramaticais? Existem várias normas linguísticas. A padrão, isto é, aquela que a escola ensina, é uma delas.
Estas normas não existem unicamente no sistema linguístico a que chamamos língua portuguesa. Existem noutros também, como o umbundu e o kikongo, o inglês e o francês, cada uma com a sua especificidade.
As normas “não padrão” dizem respeito, basicamente, ao modo como os alunos falam no dia-a-dia. A norma-padrão, por outro lado, é aquela ferramenta comunicativa supradialectal que à escola cabe ensinar.
Por que razão é necessário ensiná-la? Além do que já se disse acima, o motivo é claro: é a norma que melhor se adequa ao contexto formal, institucional de comunicação.
Por esta e outras razões, a norma-padrão deve ser ensinada nas escolas. Ademais, faz algum sentido ensinar uma norma que os alunos já utilizam? Faria algum sentido ensinar Lewis Hamilton a conduzir? Ou ensinar Beethoven a tocar? Absolutamente não.
E mais: é correcto parar de ensinar algo só porque os que aprendem dizem ser difícil? Ou seja, se alguém disser que canalizar veia é difícil, temos de parar de ensinar? Mais uma vez, Bagno equivocou-se neste quesito.
Ou seja, não é por terem que aprender regras gramaticais que as pessoas dizem que falar português é difícil. Na verdade, elas chegam a essa conclusão – a de que a língua portuguesa é muito difícil – porque boa parte de nós, professores de português, desistiu de recorrer a metodologias que aproximem aquele que aprende do objecto aprendido, fazendo parecer, portanto, que tanto um, a pessoa que aprende, quanto o outro, o objecto, fazem parte de mundos completamente diferentes. E, até aparecer um verdadeiro motivo, a norma-padrão deve ser ensinada, sem preconceitos.