O Chico era um jovem que vivia no bairro Catambor, em Luanda. Para alguns moradores, condomínio de alta segurança, para outros, Maianga. Não uma maianga “qualquer”. Cassequel do Buraco, Calemba, Prenda, não, é Maianga da cidade, por isso, para muitos, o Catambor é cidade e pronto.
POR: José Otchinhelo
Dizia, o Chico era um bom rapaz. Crente de uma Igreja Evangelica antes mesmo de lhe caírem os dentes de leite. Aos doze anos já fazia leituras nos cultos principais. Tal como o seu Catambor, o Chico não era um menino qualquer. Era Inteligente, simpático, solícito, bem parecido, uma criança perfeita que toda mãe queria ver sair da sua barriga.
Aos vinte e três anos já era licenciado. Era advogado e, como ele e o seu Catambor, também não era um advogado qualquer, era afamado, falava na rádio, discutia com os mais velhos nos debates da Televisão Pública de Angola, era respeitado. Bom moço. Em casa, as irmãs da igreja faziam fila, umas levavam pudim, outras, bolo de fuba de milho amarelo, essa calderada de cabrito, aquela quitutes da terra. Na beleza, elas eram uma mais linda que a outra. As raparigas do bairro, nem se atreviam a dar sinais romanticos ao rapaz. Até os matolões queriam ser o Chico, lhe chamavam mesmo, cota. Num sábado de manhã, Chico decide sair à rua (beco), como era de costume, onde um grupo de jovens, habitualmente, sentados num tronco, consomem bebidas alcoólicas e todos se tornavam especialistas de tudo. Sabiam de religião, futebol, política, administração do território, saúde, até quimbandaria e feitiçaria. Sobre religião e Direito, quando o grupo não chegava a uma conclusão, a voz do Chico era a voz de deus.
Naquela zona do Catambor onde vive o Chico é fertil para assuntos e não-assuntos. As conversas iam e viam. Às vezes um transeunte, mais velho ou não, que vive ou não, no bairro, para dar a sua opinião, umas bem-vindas outras para motivo de gozo contra quem a deu. Até que alguém do grupo lembrou que devia ir ao mercado dos Correios comprar uma peça para a sua viatura. O grupo logo se disponibilizou em acompanhar o amigo. Já no mercado, o Chico de súbito, diz aos amigos que ai também vendem peças de avião. O grupo riu e ignorou. Embora ébrios, ninguém se preocupou em aprofundar o assunto. Compraram a peça e antes mesmo de saírem do mercado para irem ao local onde deixaram a viatura, o Chico volta a insistir na tese de que ali também vendem peças de avião.
Os amigos mais uma vez o ignoraram. Indignado, o Chico decidiu provar que o assunto era sério e que ele estava certo: – Aqui vendem reactor de avião? – Pergunta a um jovem vendedor que prontamente respondeu. – Sim mô cota, vendemos. De boeng, hill ou antenove? Os amigos pediram para não provocar o vendedor. O Chico fez-se de surdo e insistiu: – Quero um de antenove. – Está na casa de processo (local onde guardam as mercadorias). Podemos ir lá. – respondeu o vendedor. Os amigos imploraram mais uma vez para que não provocasse o vendedor. O Chico insistiu que queria comprar e arrastou-os até a tal casa.
Para o espanto dos cinco, lá estava o tal reactor e se quisessem um novo, com um telefonema teriam um reactor novinho em folha, acabado de sair de uma fábrica do Dubai. No mercado dos Correios quando um comprador começa a regatear, por mais pequena e barata que seja a peça, ele é cercado por outros vendedores devido a “micha”. Quando o vendedor deu o preço final, o Chico desculpou-se e com muita finúria diz ao jovem que que era só para provar aos amigos que ai vendem peças de avião. Os matucheiros e o dono do reactor atiraram- se logo contra os cinco jovens da “baixa”. No calor da discussão do compra, não compra, com voz de locutor o Chico diz bem alto, “sabes quem eu só?” (outro erro que não se deve cometer no mercado dos Correios). Segundos depois dessa pergunta, todos assustaram com o barulho da tremenda bofetada que o Chico levou sem saberem de onde saiu à mão e o seu tamanho. Chico caiu desorientado a gritar: “tiro, tiro, me atingiram a queima roupa”. Três dos amigos fugiram, a peça do carro que compraram desapareceu e começou um festival de surra até que alguém decidiu amarrá-los num pau. Nessa altura O Chico já só estava de coecas.
Até hoje não se lembra como é que os ténis de marca e a roupa cara desapareceram do seu corpo. O amigo que também estava amarrado, chorava como se fosse uma criança perdida. Gritava como cabrito com voz rouca: “mamawéé, mamawéé… e agora Chico? E agora Chico? E agora Chico? Mamawééé, quem me mandou vir?” – A finúria e a bebedeira desapareceram sem deixar rasto neles. Minutos depois, os três amigos regressaram, já com a polícia que desamarrou os dois que mal se punham em pé. Ficaram “bem partidos”. Saíram daí para nunca mais regressar. Os autores desse acto de violência estão todos a contas com a justiça, por agressão e tentativa de burla (afinal O reactor que mostraram, era falso, era uma parte de um motor de camião).
Com o pouco dinheiro que sobrara, passaram numa boutique chinesa e compraram uns trapos para o Chico. Antes de chegarem ao Camtambor, o Chico implorou aos amigos: “O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas”. Ninguém respondeu, nem olharam para ele. Seguiram mudos o caminho todo e nunca mais ninguém viu o Chico aos sábados ou outro dia com os amigos de infância. Não me perguntem qual dos amigos me contou essa cena. Só sei que há lições que a universidade não nos dá e por algum mau feitio aprendemo-las de forma muito dura. Não sei o que o Chico aprendeu com isso, mas, tal como o amigo, eu também pergunto: