Nas ruas quentes e poeirentas de Luanda, onde o tempo parece caminhar no compasso dos passos das zungueiras, Dona Maria é a memória viva de uma Angola que nunca para, mas que nem sempre avança.
Sentada na sua cadeira gasta, ela observa o movimento intenso: crianças brincando descalças, jovens frustrados por um futuro que parece distante, e as mulheres zungueiras, carregando não apenas mercadorias na cabeça, mas também o peso de sustentar uma família inteira.
— Este país é feito de gente de verdade, mas governado por promessas que voam como poeira — resmunga ela, olhando para o jornal que repousa em seu colo, com a manchete de sempre: “Novas promessas para o futuro de Angola”.
Dona Maria, nascida e criada no coração de Luanda, carrega consigo as histórias de gerações que resistem à adversidade. Ela viu a cidade crescer desordenadamente, os prédios subirem enquanto as esperanças desciam, e acompanhou de perto a luta diária das mulheres zungueiras. Para ela, essas mulheres representam a verdadeira essência do país: determinação, sacrifício e resiliência.
— As zungueiras são as nossas gestoras. Não precisam de MBA para saber negociar, organizar e fazer logística no meio do caos — comenta. — Elas entendem melhor de economia do que muita gente em gabinete com ar-condicionado.
Mas o que Dona Maria não entende é como, em um país tão rico em recursos, os jovens vivem como se fossem os mais pobres do mundo. Graduados com diplomas nas mãos e sonhos nos olhos enfrentam um mercado de trabalho que exige “experiência” e “recomendações”, mas que nunca oferece oportunidade. — É um círculo vicioso — diz Dona Maria.
— Como se começa sem ninguém para te dar a primeira chance? Esses jovens têm sede de futuro, mas só encontram desertos. Dona Maria também é crítica feroz das divisões sociais que continuam a crescer.
Para ela, enquanto alguns poucos concentram riquezas e privilégios, a maioria luta pela sobrevivência diária. Ela acredita que a mudança verdadeira começa quando o governo olha para o povo não como números, mas como pessoas.
— Não adianta criar províncias novas ou mudar nomes de ruas se a essência do problema continua a mesma — afirma. — A fome não desaparece com decretos. A pobreza não se resolve com discursos.
No entanto, mesmo com suas críticas afiadas, Dona Maria mantém uma chama de esperança. Ela acredita na força das mulheres zungueiras, na criatividade dos jovens e na capacidade do povo angolano de se reinventar.
— Este país tem raízes profundas. Somos como a mulemba, que resiste à seca e ao tempo. O que precisamos é de líderes que nos reguem com trabalho sério e compromisso verdadeiro.
Para ela, o verdadeiro progresso de Angola não virá das promessas repetidas nos jornais, mas das ações que nascem do coração do povo. É preciso ouvir as zungueiras, dar espaço aos jovens, investir em educação, saúde e transporte.
É preciso olhar para o futuro com os pés no presente. Dona Maria, com sua sabedoria simples, encerra o dia dizendo: — O futuro não é uma loteria; é uma construção. E nós, o povo, somos os pedreiros dessa obra. Que não nos falte força nem coragem para continuar.
Por: Ribaptista