Contrariamente ao que se verifica em períodos de normalidade de conjuntura económica, quando o Banco Central fixa uma trajetória da taxa de juro de referência para atingir as suas metas de inflação, e a política fiscal ajusta-se para compensar qualquer efeito de oscilação para cima da taxa de juro de referência sobre o endividamento público, assiste-se a uma dependência da política fiscal face à política monetária.
Dito de outro modo, por um lado, ao verificar-se uma subida da taxa de juro de referência, haverá um aumento da posição primária, em algum momento, para compensar o aumento dos gastos com os juros da dívida pública.
Por outro, ao assistir-se, por parte dos governos, à sinalização da disposição para gerar uma sequência de superavits primários necessários para a estabilização da relação dívida pública/PIB (Produto Interno Bruto), verifica-se uma inversão dessa relação.
Assim sendo, a política monetária terá que pagar um prémio pelo alto risco da queda da relação da dívida pública/PIB ocorrer por via da inflação, ou seja, por meio da “inflação” do PIB nominal. O prémio expresso por meio de um aumento nas taxas de juro futuras deverá ser validado pela trajectória da taxa de juro de referência ao longo do tempo.
De contrário, a parcela dos investidores mais avessa ao risco de reestruturação e/ou renovação da dívida pública se refugiará em moedas mais fortes (como é o caso do dólar norteamericano ou do euro).
Essa compra de moeda forte aumenta os níveis de inflação e a consequente expansão do PIB nominal, destruindo a relação da dívida pública/PIB por meio da imperfeita indexação da dívida pública à inflação.
Dessa forma, assiste-se à reversão da relação de dependência entre a política monetária e a política fiscal. Logo, a política monetária tem de pagar o prémio necessário para a cobertura da insustentabilidade da trajectória fiscal e do risco da possibilidade de construção de uma solução por via da inflação. Toda via, importa sinalizar que a eventualidade de uma solução, por via da inflação, é dependente da cooperação e/ou da inação do Banco Central.
A gestão da taxa de juro de referência deve contemplar uma certa dose de desvalorização cambial para acelerar a inflação e de tal forma a derrubar o valor real do endividamento público em relação ao PIB, não obstante isso impor perdas aos detentores da dívida pública.
Exactamente, o que ocorreu no período entre 2012 e 2022, onde os bancos centrais em várias geografias surpreenderam-se com as elevadas taxas de inflação, que acabaram por não representar uma situação “transitória”, mas sim uma forte e inesperada redução no valor dos activos de renda fixa, culminando com uma assinalável deterioração da relação dívida pública/PIB, inclusive em Angola.
Tal cenário leva a uma autêntica luta de egos por parte dos decisores das duas políticas (fiscal e monetária). No limite, verifica-se, da parte dos bancos centrais, uma predisposição a fim de se arrastar a economia para uma recessão, ao invés de perderem por completo a sua credibilidade.
O que deixa claro a iminência da ocorrência de uma recessão económica caso não haja atempadamente um credível ajustamento fiscal. Pois, para muitos economistas (defensores da independência total dos bancos centrais, dos quais nos distanciamos parcialmente), uma eventual cedência do Banco Central levaria o país em causa a fase final de dominância fiscal, onde se assistiria a uma perda de credibilidade na gestão, tanto da política monetária quanto da política fiscal, dando origem a uma fuga generalizada de capitais, e, consequentemente, ao encerramento do mercado cambial, agravando as restrições sobre os saques bancários e/ou uma mudança radical no regime monetário-fiscal.
Considerando os desfasamentos existentes, entre a política monetária restritiva e a economia real, durante muitos meses, viver-se-ia com uma disfunção cognitiva entre a economia de um país que regista um bom nível de crescimento económico e a redução dos níveis de desemprego versus um mercado financeiro prevendo uma crise.
Nestas circunstâncias, estaremos diante de dois cenários distintos: no primeiro cenário, finalmente, os governos entendem a necessidade de um ajustamento fiscal estrutural (se gradual) e, no segundo, o governo parte para o “tudo ou nada” com mais um aumento dos gastos fiscais e parafiscais numa clara tentativa desesperada de manter a reestruturação da economia, principalmente em vésperas de períodos eleitorais, um cenário com grande probabilidade de desencadear o estágio final da dominância da política fiscal sobre a política monetária.
Por: WILSON NEVES
Economista*