Com as devidas objecções que possam advir, pois que, consubstancia-se em uma comunicação inacabada, tendo em conta as diferentes leituras interpretativas que entendemos que devem ser sustentadas pela racionalidade e coerência argumentativa por conta do valor semântico e referencial tanto da representatividade da negritude como da poética netiana no geoimaginário dos diferentes agentes sociais, portanto, a presente abordagem da negritude à poética pluralista netiana apresenta-se como um mecanismo de ruptura, em que não se nega a influência da negritude enquanto movimento, todavia, entende-se que a poética netiana se distancia da matriz filosófica dos modus operandi da negritude.
Aproveitamos fundamentar que a pretensão da presente abordagem não se estende em percorrer sobre a vida obra de Agostinho Neto nem dos principais expoentes da negritude e aos conceitos.
Por ora, pensamos ser funcional realçar que historicamente, a palavra negritude está fortemente ligada à ideologia Senghoriana, aos escritores como Aimé Césaire e o Leo Damas que, por sinal, são os maiores símbolos do referido movimento que floresceu nos anos 30, em Paris.
Assim sendo, a nossa abordagem funda-se também como veículo dialogista entre a doutrina negrutidista que se sustenta, substancialmente, pelas aspirações que os moveu enquanto filosofia de contravalor e, sobretudo, racial e, por sua vez, poética pluralista netiana encara a negritude como retrocesso no sentido em que os escritores intelectuais da África oprimida deviam apostar no discurso da contra-argumentação.
Isto é, na luta de classe e não a epidérmica. A poética netiana perspectiva um futuro irracial, visto que vários escritores de raça branca aliaram-se incansavelmente à luta dos oprimidos, inclusive cumpriram anos de cadeia.
Por está razão, transcrevemos o pensamento de Agostinho Neto (2010:177) quando afirma que: “A preocupação de África de fazer da luta de libertação uma luta racial, não é só epidérmica, mas podemos dizer reacionária e essa tese não tem futuro”.
A poética netiana é um abandono a negritude, enquanto movimento que se alimenta de lutas rácicas, à medida que combate rigorosamente o colonialismo vigente em Angola.
No presente poema, “Eu-Mistério” o poeta expresso claramente que a independência era uma questão de tempo “Perto e longe/continuam massacrando-me a carne/ sempre viva e crente/ no raiar dum dia que há séculos espero” (Renúncia Impossível,2009:141).
O sujeito poético adopta um caminho inverso, como também abraça valores do marxismo, denuncia a desigualdade e recorre a filosofia de justeza social por via da sua poética.
A título de exemplo, o trecho do poema, Sábado nos musseques: “os musseques são bairros humildes/ de gente humilde/vem o sábado/ e logo ali se confunde com a própria vida/transformada em desespero/em esperança/e mística ansiedade/na lua cheia acesa/ em vez de candeeiros de iluminação pública/ que pobreza e luar casam bem(…)/e implacavelmente vai desfraldando/heroicas bandeiras/ nas almas escravizadas/” (Sagrada Esperança,2009:51).
Não pretendemos, em momento algum, descartar a influência ideológica da negritude na poética netiana. Pois que, tanto para Senghor como para Neto, a cultura é ponto vital de toda esteira etnolinguística que fundamenta a existencialidade dos povos.
A netiana concilia a questão racial ao pragmatismo da luta contra o colonialismo. Por ora, Neto não olha para o negro, enquanto raça, sim como homem descriminado e relegado ao plano sociológico das segregação e exclusão.
Assim sendo, servimo-nos do trecho do poema “Velho negro”: “Vendido/e transportado nas galeras/ vergastado pelos homens/ linchado nas grandes cidades/até ao último tostão/humilhado até ao pó/sempre vencido” (Sagrada Esperança,2009:57).
Nem mesmo em 1957, quando se encontrava preso, na cadeia da PIDE do Porto, olhou para escrita como meio racial. Como exemplo, no poema “Dois anos de distância”, expôs simplesmente os caminhos que o separava da amada e os desejos de um povo livre: “Saudades-dizes na carta de ontem quando nos veremos/ breve ou tarde (…) humanamente entre o sonho e o desejo (…)/ cresce com mais justiça ainda/ a ânsia de sermos com os nossos povos/ hoje sempre e cada vez mais/ livres, livres, livres”(Sagrada Esperança, 2009:113).
Por: HAMILTON ARTES