Vivemos em um espaço chamado Cemitério de Futuros Adiados. Cada um vive uma espécie de antecipação. Ninguém quer comer o prato do dia. Queremos, sempre, o benefício do porvir, como se o amanhã existisse mesmo, para o nosso nariz. Sabem lá os diabos por que só temos acesso ao hoje! Vou contar-vos uma anedota, uma piada de bom gosto. Aliás, vou interpretar um passo que os homens negam em pleno sol, mas que move o Mundo.
Os seus lábios sabem à carne de vaca grelhada, toda avermelhada de nervuras de quem tem o apetite afiado. O seu vinho preferido é a Porca de Murça. As suas músicas ultrapassam fronteiras, ouve tudo em línguas africanas, naquela mistura do inglês e francês. Tem um modo poliglota de ser. É por isso que leio, no seu corpo, vários dizeres em várias línguas.
Não são aquelas mulheres que encontramos na esquina todos os dias. Há olhos que não se cruzam com frequência, por isso, eu creio, também, que o acaso é uma polissemia existencial. Segundo a fenomenologia, é preciso indagar cada surgimento, até de uma borbulha na língua ou um furúnculo, nas axilas, quando se é homem.
Voltemos à mulher, que se parece com a Teresa, em A insustentável leveza do ser, personagem que se apaixona pelo Tomás, um apreciador de livros de literatura. Certo: nem sempre a atracção deriva do oposto. Não dizem que dois loucos podem conhecerse de imediato, com apenas um olhar penetrante? Ela tem os mesmos lábios que fizeram certa figura bíblica-pública uma curva à vivência Bantu. Para estes, quanto mais carne, melhor, já que a caça não tem a ver com os peixes. Kundera diz que as coisas mais importantes são pesadas.
Talvez seja por isso que, nas minhas mãos, os seus seios são uma caixa de pedras, que sabemos apreciáveis. Certa vez, li em algum lugar que o prazer esquiva ao medo. No entanto, ainda que eu esteja tão faminto, já que a língua a salivar é uma prova clara, não sou nenhum davi e sei que este corpo maiúsculo, com alguma certeza aproximada, é uma tentação para as minhas parcas forças.
Quem me garante que o resultado será o mesmo, se eu ganhar coragem? Será que sempre vencemos, quando abraçamos uma luta? Seja como for, onde começo? Leitor/a, não me culpe! Também não sei que mais dizer. Talvez algum dia volte e conte para si como tudo foi. Mas esta mulher, felizmente, inexiste. Não me crucifique: todo o homem, a algum momento da sua vida, já sonhou a tocar em guitarras alheias, a pular cercos, a deixar o cabelo mais solto e a petiscar um pouco de porco, mesmo sendo um devoto sabático. Sei, há músicas que só imaginamos, mas não tocam no plano real. Até…
POR: SALVADOR XIMBULIKHA