À hora que escrevo, ainda sinto raiva do maldito cão de faro que, no aeroporto de Brasília, acabou por contribuir para a incineração dos meus ricos quitutes da terra, embalados a rigor, já a pensar no Natal que se avizinha.
Estava eu de regresso às bumbas, depois de alguns gostosos e revigorantes dias de férias na banda, durante os quais aproveitei para lançar, em Malanje, e apresentar, em Luanda, o meu mais recente rebento literário Perdidos e Achados-Crónicas ao Acaso, por sinal, muito bem recebido pelo público e pela crítica.
O tempo passou rápido, quando, de regresso, no percurso Luanda/Lisboa, a mala dos pitéus nos conformes, bem repleta de bagre fumado e escalado, cacusso seco, quitaba, ginguba, katato, kizaka, macunde, entre outras iguarias de fazer água na boca, tudo numa boa.
Como se não bastasse, para tornar a mala mais “apetitosa”, tirando proveito da ocasião, acrescentei mais uns bons kilitos de bacalhau, algum peixe seco e uns tantos aprazíveis chouriços de porco preto. Durante o vôo de Lisboa para Brasília, acabei por adormecer e sonhar.
Sonhei eu na minha marquise, de calção, com uma camisola “parte os cornos”, ao lado dos meus kambas de sentadas, quitutes a mesa, chouriço assado no jornal, eu a contar as malambas da terra, boa dimba no ambiente, tudo a cuiar, só alegria. Quando acordei, era hora de apertar cintos, o avião havia iniciado a descida para o Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek.
Não sendo leviano, a viagem foi óptima, voei com despreocupação, mesmo sentindo na muxima o relampejar da saudade, na esperança de, algum dia, não muito longínquo estar, definitivamente, de malas aviadas, de regresso as origens. Cumpridas as formalidades migratórias, enquanto esperava pela bagagem, começou o pesadelo.
Assim, quase que do nada, pela primeira vez na minha vida, vi um cão rolando na esteira, lambendo, cheirando malas, algumas delas, entre as quais a minha dos quitutes, seleccionada para uma inspecção mais rigorosa. É óbvio que, pouco ou nada, podia fazer, fui informado que por prevenção sanitária, alguns produtos estavam impedidos de entrar no país, deveriam ser recolhidos e incinerados. Embora remota, ainda alimentei a hipótese de ser perdoado, mas nada.
Tudo kafricado. A ligeireza como tudo aconteceu, nestes tempos em que a fome graça um pouco por tudo quanto é canto, obrigou-me a reflectir no desperdício. Neguei assistir ao “dito cujo” processo de incineração, adeus minha sesta pastosa. Ainda assim, cá entre meus botões, fico a pensar que, nem tudo foi a vida, alguém se aboletou, comeu o meu chouriço de porco preto, o meu rico bacalhau, e tudo por causa do sakana do cão, invejoso. Que desgraça!
POR:JOÃO ROSA SANTOS