Grosso modo, o ciclo que perfaz a vida é fundamentalmente transversal, embora, numa outra perspectiva, exista um plano limítrofe da existência humana embasado no nascimento, “desenvolvimento” e morte. Todavia, reitera-se, pesando o exposto, cabe nele aquilo que é essencial, útil, também o inútil, ócio e banal.
Um olhar cuidado ao dado primário (vida) e conducente à afirmação dos homens, permite sobremaneira perceber que, entre os vários aspectos condensativos e adornados de sentido, a relação sócio-humana se traduz numa razão de facto, em algo necessitante, basilar e vital.
Da natureza e complexa noção das relações que o homem estabelece com outras pessoas, neste sobrevoo reflexivo, destaca-se a amizade, enquanto valor edificante, envolvente das partes que nela se exercitam, interactuam, e enquanto dilema casualístico, porém fundamental para obtenção do conhecimento e maturação de homens e mulheres.
Posto nestes termos, cogita-se o facto de que falar sobre o ciclo relacional é, entre os vários itinerários, uma forma de reflectir, analisar e partilhar ideias à volta dos meandros das relações, e tomar a liberdade de olhar para a amizade, um modo peculiar de honrar a vida e as pessoas que cruzaram e cruzam connosco no placo da vida e preenchem-no de sentido.
Das lutas em prol do bem-estar ou daquilo que se chama sobrevivência, dos altos e baixos ou da própria necessidade hominal de estabelecer relação, surge o amigo, um ser comprometido consigo próprio e com o outro.
Nesta senta, vale inferir que quem tem um amigo já enxergou seu coração e sua alma, porque amigos, na época pósmoderna, não são seres comuns, são seres incomuns, com valores para partilhar e receber, são vidas rarefeitas, que surgem em nossos caminhos, marcam nossas histórias, permanecem em nossas memórias e em nossas vidas.
Qualquer homem ou mulher que tenha ao longo do seu percurso existencial encontrado um amigo, cultivado a amizade, terá em algum momento da vida percebido que ser amigo, na sua simples e complexa acepção, enfim, na sua pluridimensionalidade, custa caro, pressupõe investimento, enfrentamento de carácter.
Alguns percebem isso, outros não, e talvez seja por isso que eles passam pelos nossos caminhos, chegam a ficar por algum instante, porém partem como se nunca tivessem passado por ele.
Por mais necessitante, por mais social e humano que o facto de ser amigo e fazer amizade pareça, embora seja um dado inerente ao homem ser sujeito sócio-humano, vezes há que é impelido ao resguardo pessoal, ao não entrosamento com os demais, enfim, a renunciar a amizade, por causas internas e externas, pois há homens e mulheres quem têm amigos, todavia urge questionar se sabem ser ou não amigos.
Há um modo de pensar que tende a tomar as rédeas das relações, próprio da pós-modernidade e sobre a qual justifica-se a noção de bons amigos e da amizade, aquele de que os amigos são conhecidos nos tempos maus, de crise, nos tempos difíceis.
Essa perspectiva pese traga no seu bojo um modo diferente de enxergar o amigo e a amizade, peca por miopia, por faltar com a verdade dos factos na sua visão integral, mais globalizante, pois que, nestes tempos que correm, é possível conhecer o amigo na bonança, no progresso do outro, é possível perscrutar-lhe a amargura e a doçura, o peso e a leveza subjacente no seu coração e na sua mente ante o sucesso do outro.
Embora haja visões particulares em torno da amizade, há valores comuns, alguns quase que universais, que caracterizam e sustentam a amizade, com destaque para a relação e sua dimensionalidade em torno dos valores envolventes.
Daí que, se se conhece alguém que não sabe descer do pedestal quando o contexto cobrar, seja bom ou mau, far-se-á necessário cuidar sobremaneira do conceito que se tem de amigo e de amizade, pois, pessoais que desconhecem a necessidade de descer do pedestal, em algum momento da vida, tendem a ser um perigo para elas próprias e para o demais.
Assim, ante o ciclo relacional, torna-se peremptório reflectir na ideia de que não se tenha somente amigos, mas que se saiba acima de tudo ser o amigo.
Por: FERNANDO ADELINO