Gostaria de vos falar aqui do trauma do meu amigo José, a quem outros cambas convenceram a que se aprontasse para um baile de fim de ano que, conforme lhe disseram, seria vantajoso, oportuno e muito honroso. José aperaltou-se todo com ajuda da esposa e de vários apoiantes, engalanou-se com um dos seus melhores trajes, pensando no “dress code’’.
Pendurou-se à boleia de um cupapata, porque de candongueiro corria o risco de chegar fora de horas e perder a ajuda dos amigos de última hora que o incentivaram e se comprometeram a empurra-lo para dentro da festa.
Houve momentos em que fez marcha atrás, queria mostrar-se polite e não perder a posse, contendo a ansiedade avançou mais lenta e prudentemente, previu uma entrada triunfante, todavia ao chegar as portas da festa percebeu que teria de se acotovelar com inimigos e amigos de ocasião, com estranhos e desconhecidos. Manteve-se confiante de que uma vez dentro da farra teria feito a sua parte e daí para frente nada o poderia deter.
Certamente seria conduzido pelo patrono da festa aos melhores aposentos e recantos da casa, tirariam fotos e fariam filmagens dos gloriosos momentos que passariam. Acreditava piamente ser um evento indispensável para que os seus planos tivessem sucesso.
Por isso, quando soube que fazia parte da lista de convidados, tudo parecia ter dado certo, tremeu que nem varas verdes, por pouco gritou “mi belisca”, mas conteve-se e avançou.
Porém, já no longo corredor de acesso ao salão principal da festa, quase caiu de espanto ao ser abordado pelas meninas do protocolo porque não estava vestido de acordo com o dress code do evento.
Não podia entrar tinha de voltar e vestir-se de acordo com as regras do dono da festa teve relutância em seguir as instruções que lhe deram mas teve de obedecer, senão iria passar por um vexame maior, podia ser arrastado pelos seguranças, regras são regras e têm ser cumpridas até ao último detalhe.
Desde o tempo de Luis XIIII para entrar em Versalhes era mais seguro alugar as roupas certas a porta do palácio do que confiar em qualquer costureiro sem experiência real e passar por vexame semelhante.
Agastado e ainda atordoado sem acreditar no que se estava a passar, tomou o rumo da porta de saída, tinha perdido uma batalha mas, não significava perder a festa pensou para si mesmo, além disso a culpa era do alfaiate do bairro que não soube confeccionar correctamente o traje, haveria de tratar-lhe da saúde mais tarde, agora a prioridade era alugar um traje na loja do dono da festa, ficaria mais caro mas ficaria ao milímetro em conformidade com as regras.
Culpou-se por ter confiado no alfaiate do bairro, afinal, como foi possível acreditar que ele estaria ao nível de fazer tudo com a perfeição exigida? E assim, determinada e teimosamente continuou envolvido na peleja para entrar na festa.
José suou horrores para desfazer o laço da gravata, despir o fato do bairro e descalçar os sapatos, mas teve problema ainda maior quando percebeu que o único traje disponível para alugar, precisava de grandes ajustes.
O que era de esperar pois vindo da periferia, não era um pele osso como os seus amigos e parentes mas também não era tão gordo como convidados habituais da festa sempre bem nutridos e gordinhos como porquinhos de raça.
Mas demorasse o tempo que demorasse não iria desistir, agora sabia que o nome estava na lista e isso dava-lhe a convicção que finalmente entraria pela porta da frente, manteve-se firme, “já faltou mais”, pensou.
Sentou-se e ficou a aguardar pacientemente pelos ajustes do traje enquanto isso ouvia de longe o som das músicas e do salão, imaginava-se na festa na companhia de tão distintas pessoas principalmente via-se próximo do dono casa de quem esperava ouvir palavras de conforto e promessas de apoio.
Passaram-se horas e horas estava desesperado, finalmente, concluídos os ajustes, podia voltar a aprumar-se, enfeitou-se o quanto pode, não queria fazer má figura, atou o nó da gravata, calçou novos sapatos, com o maior capricho estava preparado para as fotos, foi avançando contente respirando aliviado, mas entretanto percebeu que já não havia a passarela, mas não seria por isso, de certeza que haveria pelo menos a oportunidade de tirar uma foto apertando a mão do anfitrião, pelo menos isso conseguiria, uma foto para postar e provar aos cépticos do bairro que havia lá estado.
Contudo, ao percorrer o longo corredor de acesso a boda, quanto mais se aproximava do salão mais percebia que a festa tinha chegado ao fim, quando passou a porta do salão principal percebeu que o salão estava vazio e o dono do baile parecia não estar no seu juízo perfeito, quase sozinho deambulava pelo salão e já perto dele concluiu, sem sombra de dúvidas, que o promotor do convívio estava embriagado, nenhuma das palavras que pronunciava fazia sentido e nada do que prometia poderia realmente ser cumprido.
Desesperado pensou em beber alguma coisa, só mesmo uma bebedeira para sair daquele pesadelo, mas o barril do fino havia expirado nem sequer o fino da panela havia sobrado, José estava exausto não queria acreditar no desfecho daquela corrida ao boda, chegou mesmo no final da festa, ainda lhe custava aceitar, para ele a festa havia acabado antes de começar. Entrou no ano novo a sentir-se como se tivesse ficado no ano passado.
Por: SÍLVIA SANTOS