Daqui do Jardim da Cidade Alta, chega- me de longe a música de José Carlos Schwartz, bissau-guineense: – “Si bu sta dianti na luta/Pasa dianti pô/Finkanda purmeru dubi/I kasa ki nô misti kumpu./ Si bu sta dianti na luta/Ka bu djubi tras/Pega tarsadu bu pabi/ Pega radi bu labra/Si bu sta dianti na luta/Ka bu djungutu/Si bu parti, si bu diskuda/Pubis na fika, i ka ta maina/Si bu sta dianti na luta/Ka bu pera ningin/Mara bu bariga bu sufri/Na bo ki nô na djubi, abô ki nos spidju”.
POR: Bernardino Neto
Uma melodia possante como o fio de chuva miúda no tecto de zinco… Oh minha querida infância, onde estás? Uma pergunta puxa outra: quem vai reorientar a África hoje? África do Sul, o país com maior Produto Interno Bruto (PIB) do continente, a Nigéria, maior produtora de petróleo no continente, Angola, o segundo maior produtor de petróleo, o Egipto, a Etiópia? Afinal, quem comanda? Será a Cote D´Ivoire, Camarões, Marrocos, Argélia, Congo Brazzaville, Gana, Botswana, União Africana? Ninguém.
E Agostinho Neto pressagiara isso na liturgia, no ritual e no pedestal da luta contra o neocolonialismo, ao afirmar: “A África parece um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar o seu pedaço.” Convenhamos, Neto falava apenas dos abutres materiais. O continente africano está movediço, perigoso, abrindo ravinas que estão a engolir os poderes, as instituições, os Estados e as pessoas. Quem diria, que passados mais de 50 anos de independência de África, a Líbia viria a ser um “shopping” para venda de conterrâneos nossos?!
Hitler feroz, asfixiante e o mais famoso assassino da história queria dominar o mundo, não conseguiu. Destruiu a humanidade, deixando 3% dela, morta, mutilada e assombrada, mas no final teve que se imolar. Mussolini embriagado no álcool dos excessos, dizia “Se eu avançar sigam-me, se eu retroceder matem-me, se eu morrer, vinguem- me”, no desfecho da sua trajectória, foi capturado e executado.
Isto serve para dizer que a humanidade já assistiu tantos, mais tantos fenómenos e que na hora da verdade, a inteligência vence. Basta percorrer os meandros do terrorismo internacional, com réstias de religiosidade radical, abusiva, execrável, exacerbada e enfadonha, aos poucos vai perdendo fôlego. Por isso, são tempos de muita turbulência e com eles tempos de “abutres invisíveis”, que fomentam nas sociedades periféricas, febres muito altas. Febres de emoções.
Febres de ruídos. Por incrível que pareça não há termómetros para as medir entre as causas e efeitos. A meio, um dilúvio de informação, ou seja lixo informativo, informação tóxica. Informação confusa, predatória, destruidora e manipuladora. Uma das brincadeiras dessa informação camaleónica é empolgar as mentes a fiashs de (in)verdades, com os ruídos disto e daquilo, levando a proliferação de boatos, de afrontas às regras convencionais, de prazeres à desobediências e nervos à flor-da- pele, cuja autoria é cada vez mais invisível e frequentemente mesmo quando sabida, é acobertada, chegando a catástrofes indizíveis, como as do “Mar Mediterrâneo”, feito um cemitério a céu aberto ou como o que está a ocorrer agora, com os jovens “libertados” do mercado negro da Líbia, cansados, arrependidos e ultrajados até a médula.
A África está cada vez mais enfraquecida e o fenómeno não é isolado, é mundial, incluindo os centros do poder. É preciso reorientar a bússola. Kwane Nkrumah, Leopold Sedhar Senghor, Amílcar Cabral, Samora Machel, Arap Moi do Quénia, Julius Nyherere e Kaunda foram lideranças que construíram um caminho africano próprio, honroso e comprometido. Seguiu-se Mandela. Nos tempos que correm, precisam-se homens novos para desafi os também novos. Líderes com infl uência, persuasão assertiva, legitimidade e autoridade, para conduzir a moral e o moral de África, que se degrada cacimbo à cacimbo, chuva à chuva, queimada à queimada, seca à seca, eleição à eleição.
Embora hajam mudanças concretas no continente, algumas engendradas pela própria evolução como a transformação da OUA em União Africana, poucas puderam prever trilhos e instituições nos modos de pensar, nas expectativas e nas aspirações, pois os líderes de hoje caíram na armadilha do tempo apressado. O tempo é o grande mestre, e ele não se renova, devendo acompanhar as transformações e as pessoas, sob pena deste recurso também emigrar. E aqui a actualidade do pensamento de A. Neto sobre os abutres. Os abutres abundam por toda a parte, uns são personagens que emergem com caras de “boas pessoas”, outros não são anjinhos, nem diabos, outros ainda só tem um objectivo: pilhar as nossas razões.
Como? Fala-se de que 60% da população africana é jovem, o que abre futuras oportunidades de mercado. Todavia, não se diz que essa massa de 60% não conhece o esclavagismo, o colonialismo, as independências. Fica claro, que quando não se têm referências da sua própria história, entre ficar e partir, o delírio decide mais do que o raciocínio, sobretudo quando o amanhã é inopinável e enganador. A música não deixa de grudar na minha cabeça: Si bu sta dianti na luta, Pasa dianti pô… Se isto é bom ou mau, só o tempo dirá!