Do Rio de Janeiro para a minha África, os meus melhores cumprimentos. Oh minha África! Uma África que deve repensar os seus intelectuais, tendo em vista as complexidades, rupturas e continuidades dos processos globais e locais, quer diante de situações concretas africanas, quer do Sistema Internacional. Comecemos por indagar: que faz o intelectual africano? A expressão intelectual africano tem uma longa história e uma galáxia de definições. Uns dirão, intelectual africano é todo contributo de ideais buriladas, discutidas e dissecadas desde a filosofia à organização social, da política à democracia, pensada por africanos e com métodos também africanos; outros defenderão que intelectual africano, não quer dizer simplesmente, os castos e hermeticamente fechados em métodos africanos.
POR: Bernardino Neto
Qualquer que seja o debate, intelectual significa clara criatividade, resiliência no meio de tantas dificuldades. A filosofia africana diz: “o sofrimento aguça a inteligência”. Os mais finos produtores de inteligência, ontem como hoje, são os intelectuais, cuja observação, o estudo, a crítica se caracteriza pela precisão, lucidez, sobriedade — que são qualidades do pensamento. Um intelectual é um profissional de ideias, os seus artigos revelam erudição, actividade professoral, em resumo, um intelectual é um homem que mostra caminhos em áreas de relevo e até mesmo em becos sem saídas, fulmina opiniões que geram conceitos de filosofia, linguística, medicina, matemática, arte, lógica, ética.
Tudo no intelectual é arejado com o luxo da grandeza moral, sem cepticismos, sem optimismos exagerados, é simplesmente equilibrado, culturalmente democrata. O intelectual detesta o remendo e não se compadece com a nódoa da bajulação. Fala, critica. A verdade do seu verbo é caminho para a geração presente e vindoura. O intelectual não se esconde, não foge. Em verdade, o intelectual africano ao conclamar os excluídos, os encarcerados, os sofredores e os pobres diante das ditaduras instaladas no continente, sofreu, subdividindo- o em duas categorias: o dissidente tido como perigosa criatura aos regimes e o “bom menino” ao serviço do stablishament, deixando um rasto de medo e caça às bruxas. Nesse tempo, pernas para quero!
A questão — que faz o intelectual africano? — vai ao encontro de Adam Smith que os chamou de “mestres da humanidade”, o conjunto dos homens mais capazes, puros e nobres, cuja sabedoria pode discernir melhor os verdadeiros interesses dos africanos, animar o desenvolvimento e tomar proeminência no sentido moderno. À propósito, a carta do Sínodo Africano dos Bispos Católicos em 2010, dizia no ponto 16 (Fuga de cérebros): “Os países e as famílias africanos investem grandes somas de dinheiro na formação de profissionais que possam contribuir para a melhoria das condições de vida dos seus povos. Infelizmente muitos deles partem logo depois de terem recebido o diploma na esperança de encontrar melhores condições de trabalho e de receber melhores salários”.
Se descerdes mais a fundo dos problemas africanos, guerras, fome, corrupção, lideranças falidas, pilhagem, falta de escolas, doenças, subversões religiosas, encontrareis um inesgotável poço de apatia e utopia do intelectual africano, não abstractas e genéricas, mas bazófias visíveis, isto é, um intelectual refratário ou confuso na sua missão diante das pessoas e das comunidades entregues a longa noite de exílio. Na prática, o intelectual actual é um pote de alardes, ruidoso, perante os desafios, esconde-se a zurzir ou prefere fugir para o mundo Ocidental, em meio a argumentos de ruptura com os poderes instalados.
Além disso, nos processos de construção dos Estados Africanos, copiou as mesmas leis e normas do colonizador, em regra, com o simples argumento de “não africanizar o Estado”, atitudes desculpadas por pequenas castas urbanas que formatadas nos canhenhos da metrópole, sentiram-se uma classe de privilegiados, remando em contramão à grande maioria deserdada de saberes científicos e de origem rural, sem voz e sem vez. O flagrante da inépcia do intelectual africano ocorre na educação, agricultura e na identidade dos africanos. Comparemos a educação de África com a educação da Coreia do Sul, por exemplo. O homólogo do Leste Asiático depois da segunda guerra mundial estava destruído. Focou a matemática, a ciência e a tecnologia e nos seus valores tradicionais: língua, literatura, religião e cultura.
Em contramão a África preferiu os valores da antiga metrópole, com algumas intermitências disto ou daquilo, priorizando cursos de direito, economia e outras lengalengas, remetendo as línguas nacionais e a sua própria história às prateleiras das calendas gregas. Aliás, basta ver as universidades em Angola, de forma surda provocam uma espécie de guerra de conhecimento, onde algumas casas do saber podem abordar um tema, enquanto que outras não. O intelectual africano também vacila na agricultura. Reparem 1 por cento da população do Ocidente se dedica a agricultura, em compensação têm excedentes alimentares para as pessoas e animais e ainda abastece o mercado mundial. Em África, 90 por cento da população dedica-se a agricultura, porém a fome e desnutrição assolam as famílias.
O mais ridículo é a Republica Democrática do Congo, um país que chove durante 11 meses, mas totalmente desolada. Quanto ao registo civil dos africanos, 60 por cento dos cidadãos não têm documentos de identificação. Por outras palavras, o intelectual africano, embora apetrechado de argumentos científicos, aguarda como o resto da população não escolarizada, apenas pelas respostas dos governos. E Angola é o exemplo de tamanha ociosidade desta elite do conhecimento. Diante do fenómeno de dois milhões de crianças fora da escola, ninguém move uma palha. Que raça de intelectuais, a quem meu pai, Chico Katembwe chamava “fidalgos” e os colonos, “calcinhas”. A esses intelectuais, restam-lhes mesmo fugir. Podem fugir, intelectuais mornos não interessam a África, nem a Deus, pois a Bíblia no livro do Apocalipse, ensina: “Deus vomitará os mornos”. Se isto é bom ou mau, só o tempo dirá.