É tempo de Natal e final de ano. Daqui do jardim da Cidade Alta, vislumbro a Fortaleza de S. Miguel e claro, é um ponto que me dá uma visão de helicóptero, de tal forma que leva-me a pensar em Napoleão Bonaparte (1799- 1815), reconhecido como um excelente general e estrategista francês, que dizia: “O poder de um Estado está na sua geografia.”
Adaptando isso a Angola, tão logo alcançou a paz à 2 de Abril de 2002, assume um perfil diplomático proactivo, na verdade já reconhecido pelo sistema internacional, tanto ao nível geopolítico, quanto ao geoestratégico e geoeconómico no petróleo e diamante, numa engrenagem respaldada em dois grandes eixos: primeiro, ao considerar o sistema internacional guiado pela anarquia como seu princípio básico, a diplomacia é definida pela criação de equilíbrios na política externa, com vista a mover-se na escala de hierarquias, entre os intercâmbios mútuos e os choques provocados pelas respectivas opções;
Segundo, elencar a heterogeneidade dos fenómenos ao nível regional, continental e global (ideologias, conflitos, questões económicas, financeiras, demográficas, redução da pobreza), para o original saber e pensar de Estado, que lhe aumenta a grandeza e o torna respeitado no mundo. No seguimento desses eixos atrelados às esferas de influência e da gravitação do poder mundial, o país é referenciado como Parceiro Estratégico confiante.
A confiança é implicitamente um acto de delegação e ela não se estuda nos manuais. A confiança gera-se e leva a acreditar que o outro não faltará com os deveres e obrigações. A confiança é o recurso capital para que os Estados, os líderes possam coabitar em harmonia num mundo humanamente apressado e tecnologicamente veloz, pois, sem a confiança o planeta desaba no precipício da imprevisibilidade e da incerteza absolutas. É esta confiança enaltecida pelo Presidente da República, João Lourenço no discurso de investidura, ao afirmar: ”No que diz respeito às relações no continente africano, será dada prioridade aos países vizinhos, na base de relações de boa vizinhança e de cooperação.
Dada a sua proximidade, essas são relações importantes para a defesa, a segurança e o desenvolvimento da subregião austral, sem descurar obviamente os países da SADC, com os quais Angola partilha afinidades geopolíticas.” Por outro lado, ainda que teoricamente os Estados sejam iguais de direito, na prática não o são e o presidente avaliou esta realidade, continuando: “Angola dará primazia a importantes parceiros, tais como os Estados Unidos da América, a República Popular da China, a Federação Russa, a República Federativa do Brasil, a Índia, o Japão, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido, a Coreia do Sul e outros parceiros não menos importantes, desde que respeitem a nossa soberania”.
Decerto está aqui a trilha para a universalização de Angola, na base de acordos lógicos e não salvacionistas, evitando ser “país polvo”, com tentáculos por todo lado, mas reflectir com foco – qual é o problema e qual é a solução? Angola é um país grande, o que significa que os seus representantes têm de ser grandes usando o conhecimento, pois nessa era do conhecimento há diversas tendências e o Estado que não estiver preparado, será irremediavelmente um cadáver na arena internacional. A diplomacia tem de irradiar fulgor e vitalidade.
Ora, normalmente os parceiros apresentam um “livro de versos”, pensado para um contexto de emergências (guerra) e que hoje estando em fase de reconstrução, o argumento segue a lançar areia aos olhos dos africanos. Por exemplo, com a União Europeia, a conversa é sempre os Acordos de Cotonou, um compêndio que oferece um montão de filosofi as, que detalhadas é meramente um insulto aos intelectuais africanos.
No caso de Angola, são passados 30 anos de parceria com a União Europeia, a realidade é que o assistencialismo sobrepõe- se, quase sempre embrulhado em assessorias e consultorias técnicas que privilegiam empresas e empregados europeus, assim como equipamentos europeus, onde na maioria dos casos, o dinheiro declarado nos acordos e os desembolsos durante a implementação para além dos discrepâncias, em termos líquidos acabam sempre regressando em benefícios de empresas portuguesas, espanholas e sabe Deus. Uma verdade que pede estudo.
E não tenhamos ilusão, todo negociador estrangeiro possui um livro de versos, uns mais românticos outros menos. Tudo passa pela apropriação de saber profundo para negociar acordos tangíveis e munir os diplomatas e técnicos de instrumentos de monitoria e avaliação contínua, para se evitar o que a economista zambiana, Dambissa Moyo refl ecte no seu livro – Ajuda Morta: “Não quero me concentrar na motivação de governos ou indivíduos. O que posso dizer é que estou muito decepcionada com as lideranças políticas internacionais. Elas não estão falando a verdade sobre a eficácia da ajuda e sobre a possibilidade de prover crescimento económico em África por meio dela.
Chegamos a uma situação na qual nós, como sociedade global, ficamos muito confortáveis com a visão negativa da África. Ninguém parece questionar isso, ninguém tenta estimular uma agenda diferente. O capitalismo está sob um intenso debate neste momento, todo o mundo está tentando obter um melhor equilíbrio para o sistema. Mas, no caso da África, após 50 anos e US$ 1 trilhão em ajuda, ninguém fala de uma mudança de estratégia. Nesse meio século de ajuda, a África mostrou resultados muito pobres: crescimento nulo e aumento da miséria. Mas ninguém discute isso”. Em síntese, essa cooperação com sujeitos, cara de boas pessoas, não é inocente, é aliada a interesses. Só o campo político-diplomático não serve para explicar essa realidade.
É preciso pegar a “tabuada”, sujar as mãos de giz, fazer contas, cifra à cifra, multiplicar, dividir, adicionar e subtrair e no fnal notar-seá que Angola implementa mais um financiamento fictício que real. O dinheiro não pode estar em Bruxelas, tem de estar em Angola e ser inserido no Orçamento Geral do Estado e ponto final. Com isso estabelecer- se-ão laços de confiança. Logo, a diplomacia ou se apega ou se apaga. Se isto é bom ou mau, só o tempo dirá!