Caro director Sei que muito já se falou sobre este assunto, mas acabo de ler a vossa reportagem sobre as zungeuiras.
POR: Maria Leite
Lembro-me de que para disfarçar o assunto, há alguns anos muita gente procurou tirar partido do sofrimento das zungueiras, em artigos nos jornais e em livros, como se a vida de zungueira fosse algo para valorizar, em vez de ser uma preocupação do Governo e uma situação social a extirpar da nossa sociedade. A zungueira é uma sofredora. E vai continuar a ser uma sofredora porque mesmo que o Estado consiga abrir fábricas e outras actividades, a zungueira já tem filhos para cuidar, já é mãe e pai das crianças, não tem formação profissional, não sabe ler nem escrever na maior parte dos casos. A zungueira é a encarnação da pobreza sobre contra a qual pouco se pode fazer. A não ser que o Estado adopte em Angola medidas sociais que lhe proporcionem um rendimento mínimo para viver. Espanta-me que haja preocupação com a imagem das cidades, mas não haja com os filhos das zungueiras, que não têm infantários para serem bem educados enquanto a mãe trabalha. Não pode haver preocupação com a imagem das cidades antes de haver preocupação com a vida das pessoas. Espanta-me que toda a gente se aproveite das zungueiras, desde os fiscais e polícias sem escrúpulos, até aos pintores e escritores que por elas nada fazem. A zunga é uma realidade social que precisa de ser debatida com urgência pelos poderes e pelas universidades. A única forma de acabar com ela é fazendo com que ela se torne desnecessária. Enquanto for a única possibilidade de vida para os milhões de angolanos que zungam, toda a tentativa de repressão apenas trará conflitos sociais e, infelizmente, histórias como as que li na vossa reportagem.