Em Luanda, um prédio ruiu. Em bom rigor, talvez devesse dizer mais um prédio ruiu, no entanto, não faço porque tenho a certeza de que alguém dirá: “Mas, aqui, os prédios não ruem tanto assim!” Como se os prédios fossem feitos para a andar a colapsar a torto e a direto; enfim, por isso, digo apenas: um prédio ruiu, esquecendo-me dos que já ruíram, porque, como diriam os outros, não são tantos assim.
Felizmente, os relatos oficiais dão conta de que, desta vez, não houve vítimas mortais.
Falam, esses mesmos relatos, em vítimas humanas, eu prefiro dizer vítimas mortais porque, quando um prédio colapsa, há sempre pessoas que, embora não percam a vida, perdem as suas residências, os seus haveres, perdem as suas lembranças de vários anos, e, muitas vezes, chegam a perder a sua forma de viver.
Essas são sempre vítimas humanas de um prédio que desaba.
Novamente, um enfim. Não morreu alguém e isso é motivo suficiente para dar um grande “Glória a Deus”, até porque quem assistiu às imagens que circularam nas redes sociais viu que houve pelo menos uma mulher, com um bebé ao colo, que escapa do prédio exactos segundos antes deste vir abaixo.
Portanto, é caso para dizer, uma vez mais, que Deus talvez seja mesmo angolano.
Reactivos como somos, não podíamos deixar passar o colapso de um prédio assim, como se nada fosse. Reagimos a grande e em força.
Os leigos, a grande maioria de nós, partilharam os vídeos nas redes sociais, criaram memes e piadas e discutiram o assunto até à exaustão à luz das diversas teorias da conspiração, próprias dos angolanos.
Os órgãos de imprensa organizaram debates onde especialistas desfilaram todo o seu saber sobre construção, manutenção e queda de edifícios.
Foram identificadas todas (com as devidas aspas) as causas da queda dos edifícios e, de esquebra, ainda foi apontada uma série de edifícios pelo país que estão em risco de colapsar.
Fiquei chocado quando vi nesta lista serem colocados edifícios na Centralidade do Sequele, prédios que têm menos de quinze anos desde a sua inauguração.
A longa lista de prédios seriamente comprometidos deveria colocar-nos, a todos, em estado de alerta, mas, como mandam os bons manuais de um povo reactivo, ficamo-nos por aqui.
Os receios, os debates, as listas de prédios em risco, tudo isso já faz parte do passado.
Por essa altura, já quase nos esquecemos de que um prédio ruiu no coração da cidade de Luanda, já nos esquecemos de que pessoas poderiam ter perdido as suas vidas, já nos esquecemos de que, neste exacto momento, há pessoas a fazerem, em outros tantos edifícios, as mesmas alterações e remodelações que contribuíram para o colapso deste último.
Vamos vivendo as nossas vidas mandando para o passado o que já ficou no passando, mas, sobretudo, mandando para as calendas gregas tudo aquilo que devia ser feito para evitar uma tragédia semelhante ou ainda pior.
Já não se fala em fiscalização, em manutenção, em prevenção, em punição para os infratores. Não se fala em demolição das obras anárquicas nos prédios tal como se fala de demolições no Zango, na Via Expressa e na orla marítima, como anunciou o governador de Luanda recentemente.
Nada! Sobre os prédios, já nada. Só esse silêncio. Esse terrível silêncio.
Talvez até seja compreensível a rapidez com que esquecemos dos nossos problemas.
Num país onde temos tragédias de todas as cores e feitios a ocorrerem quase diariamente, não se pode perder demasiado tempo com uma só, principalmente com uma onde não só não morreu alguém como ainda gerou uma pequena fortuna de mais de cento e trinta milhões de Kwanzas.
Há tragédias assim, piores do que as outras, porque motivam ainda menos a proactividade, a acção preventiva.
Talvez seja momento de dizer novamente “Enfim”.
E assim vamos e assim iremos, fingindo que nada aconteceu, que nada deve ser feito, fingindo que não há algum responsável por evitar um novo colapso.
E assim iremos, fingindo que está tudo bem até à próxima tragédia.
Por: SÉRGIO FERNANDES