Como bem disse Nubia Hanciau, quando se trata da história da feitiçaria e se recorre as distintas sociedades ou coletividades [neste centrado caso, a colectividade angolana], “faz-se necessária a crítica dos vocábulos e conceitos no sentido de evitar confusão entre os sortilégios em geral – magia, bruxaria, feitiçaria – e sua aplicação.”
Desde modo, começaremos por fazer uma breve contextualização sobre os conceitos dos termos supracitados e as origens destas práticas. Segundo Caldas, as sociedades africanas (sem excussão da Angola), realizavam uma variedade de atividades ritualísticas para invocar os espíritos ancestrais, fazendo a intercomunicação entre o mundo dos vivos e dos além-túmulos.
Os adivinhos eram Medianeiro entre os dois espaços, sagrado e profano, poderia ele predizer acontecimentos passados e futuros, descobrir culpados por ilícitos, causas de doenças, feitiços, e atuar na pacificação das sociedades africanas, referente ao seu equilíbrio e harmonia interna.
Na intercomunicação entre os dois mundos. Portanto, as cerimônias públicas, regidas por danças, festas, e encantamentos são traços característicos das manifestações socio-culturais em Angola, consideradas indispensáveis para o equilíbrio social.
Os feitiços são realizados por pessoas com habilidades especiais, como bruxos, xamãs ou curandeiros e feiticeiros, que têm conhecimento e experiência na utilização de práticas mágicas.
Em muitas dessas tradições, os feitiços são vistos como uma forma de acessar e canalizar poderes sobrenaturais ou energias cósmicas para manifestar mudanças desejadas na realidade física.
Em Angola, estes actos podem envolver o uso de ingredientes naturais, como ervas, raízes e folhas, assim como objetos pessoais, como cabelo ou unhas. Eles também podem incluir a recitação de palavras ou frases específicas, gestos rituais e a realização de cerimônias especiais para ativar o poder do feitiço.
Além disso, os feitiços em Angola estão frequentemente associados às práticas de “kimbiza” ou “umbanda”, que são formas de espiritualidade sincrética que combinam crenças e rituais africanos com elementos do cristianismo e outras tradições religiosas – podendo é claro, variar de acordo com a região e a comunidade – predominante. Segundo Roger Sansi Goldsmiths College (da University of London), o termo fetichismo foi inventado no fim do século XVIII pelo Presidente Charles De Brosses, para definir a forma mais primitiva (elementar) de religião.
No seu livro Essai sur le culte moderne des dieux fétiches (1760), De Brosses faz uma comparação entre a religião dos africanos modernos e a dos egípcios antigos. Assim como os antigos egípcios, os africanos modernos adoravam as coisas, os objetos, os eventos naturais, a matéria, a primeira coisa que encontrassem à frente.
De acordo com Glícia CALDAS (2006), a cosmogonia africana é harmônica, o universo é coeso, e tudo que o desequilibra é visto como sobrenatural, sortilégio mágico, produto de feitiçaria.
O sagrado permeia, de tal modo, todos os setores da vida africana, que torna impossível realizar uma distinção formal entre o sagrado e o secular, entre o espiritual e o material nas atividades do cotidiano.
Ainda o mesmo autor acrescenta a prática do mal era apenas um componente do que deve ser entendido como um pacote de forças religiosas ocultas. Em muitas sociedades africanas, não havia nenhum diferencial que distinguisse os bons rituais dos rituais malévolos.
Os rituais e simbolismos empregados eram os mesmos para o bem e o mal; a diferença estava na finalidade ao qual se destinavam. Alguns autores – como nomeadamente Nubia Hanciau – sustentam que se tem vindo a fazer-se diferença superficial entre “magia branca” ou “negra”, um saber “um pouco mau” ou um saber “muito mau”. Contudo, a magia não é forçosamente boa.
Há registros de invocações terríveis, sulfurosas e até mortais, logo seu emprego ser quase sempre negativo ou discutível. Na verdade, a magia, sobretudo em sua forma popular, nunca é completamente branca, pois fazer o bem a alguns por meio de determinados métodos pode, em contrapartida, significar fazer o mal a outros… Também não é completamente negra, pois se fosse francamente diabólica ou assim se apresentasse, não teria reunido padres, adeptos de uma pequena mágica/feitiçaria inocente, à qual se convertiam para fazer o bem (defendia Hanciau) Em vista disso lembremos que a palavra, magia e feitiço têm seu enquadramento no termo de origem iraniana, incorporada pelo grego (mageia) – como prática utilizada para exprimir uma forma especial de relação com o sobrenatural.
É por isso que, Jean Palou, um dos pioneiros a estudar o assunto na contemporaneidade, define a magia como a arte de comandar as forças do mal. Enfim, sem imaginar que muito pouco se tem estudado sobre a temática, não podemos negar que o grande ponto de discussão em relação a esse fenómeno, é se o podemos considerar um fenómeno socialmente aceitável para a harmonia e equilíbrio social.
Neste ponto, nossas ideias crenças metas e necessidades, fazemnos espontaneamente dizer que sim, ou que não, muitas vezes, sem mesmo nos darmos o trabalho de pensar. Contudo, somos Angolanos, vivemos em África, portanto quem se salvaria plenamente das influências directas ou indirectas deste fenómeno?
Por: SAMPAIO HERCULANO
*Finalista em História pela Faculdade de Ciências Socais da UAN