Afinal é possível. Sim, é possível. O boi voar. Os jacarés tornarem-se vegetarianos. Sim, é possível. As árvores falarem. Não só falam, dialogam. Tão loquazes que descobriram na fala um novo viés. Unir os quintais. Na verdade não eram quintais, eram florestas. Tanto faz.
O importante é unir fronteiras. Fronteiras mais longas que as verdadeiras fronteiras. Do Luvo. O negócio é livre. Utopia. Que lição de moral tiraram da história? Será mesmo importante perguntar? – questionou-se.
Como não, se me ouvem com os ouvidos! – pensava. Não, não é verdade, ouvem-te com o estômago – alertava a consciência. É pelo estômago, as honras com que te honram.
O medo com que te veneram é pelo estômago. A reverência com a qual te reverenciam é pelo estômago. O teu poder é do estômago. A fome, o pão e o pau, a tríade do poder do velho João.
Ecos em notas soltas da voz de um velho cujo cajado trémulo denunciava imprudência na juventude. Talvez não. Pode ser a vibração de saberes não ditos.
A antítese! Contava aos petizes uma história difícil de acreditar. Não pelas personagens, que até estavam todas bem definidas. É que não era conto, muito menos um romance.
Também não era uma novela. Fosse uma fábula, certamente, não precisaria perguntar que lição de moral os meninos tiraram da história. Era uma anedota.
Uma piada. Era só para rir. Rir até cair na desgraça que virou tapete. Era uma vez – disse ele. Não vão acreditar – continuou – e porque não acreditaram mesmo.
Talvez soubesse, desde já, que não era para acreditar. Meteram-se a rir. Mas que coisa, avô! O camaleão voar… É uma raça de África? – perguntou o mais incrédulo.
Como se só em Africa devessem acontecer coisas que desafiam a razão humana. A antítese. Continuou o velho – a natureza mudou. Eu, por exemplo, sou o campeão das excelências.
Todas as aldeias devem recorrer a mim para colherem experiências em matéria de agricultura de ponta, pesca e caça. Em silêncio, como quase sempre, a mais nova do grupo, ensimesmada num monólogo, pensava consigo mesma – o único feito cuja fama é difícil de negar ao avô é o de ser especialista em talas, eliminar quem lhe faz frente, mesmo que seja o único sábio cujos conselhos precise.
Avô João insensato. Fosse solta essa voz, certamente punida seria por ultraje ao Estado, o seu próprio avô. Dado curioso, se era tão mau assim, por que razão tinha tantos netos sob sua alçada, e mais, ouviamno pacientemente? As posses, o dinheiro, os bens. Era essa a principal razão.
Por mais que os factos o declarassem antípoda, o estômago e as necessidades venciam na disputa pela popularidade do avô João.
Por isso, rodeou-se de uma legião de esfomeados, que satisfaziam os seus apetites, caprichos e necessidades, mas não amavam de verdade o avô João.
Por: ESTEVÃO CHILALA CASSOMA*
Professor de Literatura