Esta semana foi marcada internacionalmente pela realização do Fórum da Iniciativa Cinturão e Rota, organizado pela República Popular da China. Na próxima semana, o destaque estará no Fórum Global Gateway da União Europeia.
Enquanto isso, o Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou que Helena Matza, Coordenadora Especial interina do maior projecto geopolítico americano/ocidental, realizará uma viagem que a levará por Angola, República Democrática do Congo, Zâmbia e Bruxelas.
O objectivo final desta missão será participar no Fórum Global Gateway, que é a componente europeia da iniciativa conhecida como Parceria para Infraestrutura Global e Investimento (PGII).
Embora esta iniciativa seja anunciada como um projecto destinado a atender à demanda global por financiamento de infraestruturas de alta qualidade em países de baixa e média renda, a sua principal motivação é geopolítica e geoestratégica, com a África projectada como um dos principais palcos. Está claro.
Não se trata de uma teoria conspiratória. África poderá tornarse num terreno de procuração, como Carlos Lopes, actual Alto Representante da União Africana para Relações com a Europa e antigo Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas, destacou numa entrevista há alguns meses.
Embora estejamos teoricamente na era da globalização e da interdependência complexa, como teorizado por Joseph Nye e Robert Keohane, no mundo do poder ocidental, estes conceitos bonitos são frequentemente usados apenas para campanhas internacionais de relações públicas.
Tanto o Global Gateway, lançado pela União Europeia em 2021, quanto a PGII (lançada em 2022 durante a Cúpula do G7), têm como objectivo conter a China, cuja influência está a se expandir por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, que já completa 10 anos.
Para o nosso benefício ou prejuízo, na competição entre o Ocidente e a China, África é vista como um campo de “procuração” política e econômica.
Há exactamente um mês, durante uma apresentação sobre investimentos no Corredor do Lobito, um dos principais projectos da PGII, Helena Matza deixou claro que as intervenções da PGII “são projectadas para o que é uma grande parte da nossa política de segurança nacional” dos EUA.
Colin Kahl, cientista político e antigo Subsecretário de Defesa do Departamento de Defesa, responsável pela elaboração da Estratégia de Defesa Nacional americana, destacou que, após os eventos de 11 de Setembro, a estratégia de defesa dos EUA se concentrou na luta contra o terrorismo.
No entanto, em 2018, a administração Trump considerou o “ressurgimento da competição entre grandes potências”, especialmente a China, como a questão de segurança mais importante.
Em 2022, a administração Biden elaborou uma nova Estratégia de Defesa Nacional americana, enfatizando que “a China é um concorrente cujas actividades devem ser acompanhadas, correspondendo ao padrão ao qual devemos alcançar e superar”, como explicou Kahl em Munique.
Nesta abordagem, a China é considerada concorrente e rival sistémica, mas também abre espaço para que seja encarada como parceira. Torna a política do Ocidente, liderada pelos Estados Unidos, em relação à China, mais ambígua. Se a China é vista como uma parceira, é necessário encontrar um equilíbrio de interesses.
No entanto, as declarações frequentes de altos funcionários americanos e ocidentais sobre a China em África, como “alertas” de Amos Hochstein, coordenador especial de Joe Biden para infraestrutura global e segurança energética, quanto às parcerias em tecnologia com empresas chinesas, como a Huawei, e a narrativa da “armadilha da dívida”, ou as recentes punchlines do Lloyd Austin – para não falar do seu chefe, Joe Biden – não contribuem para um entendimento construtivo.
A China não adopta uma postura confrontacional, senão estaríamos obviamente numa nova guerra fria. Por outro lado, o Ocidente, como ilustrado ao longo deste texto, adopta uma postura diferente.
Por isso é que Xi Jinping destacou durante o Fórum Cinturão e Rota que o desenvolvimento da China e a interdependência económica não devem ser vistos como uma ameaça pelo Ocidente, mas como um activo.
Isso não beneficia nem a China, nem o Ocidente. Carlos Lopes argumentou numa entrevista no Youtube que, do ponto de vista africano, “esta concorrência entre o Ocidente, a Rússia e a China não é necessariamente uma má coisa se provocar mais acesso a capital e mais possibilidades para que os paises africanos possam beneficiar de condições favoráveis para a sua transição”.
Devido ao passado colonial e à história de interferência ocidental em África, o Ocidente está a correr para compensar a sua desvantagem competitiva.
Angola, que já foi considerada um modelo da parceria chinesa em África, é o país africano que abriga o projecto mais importante da PGII. Os Estados Unidos já alocaram financiamento substancial para projectos no país, incluindo para o financiamento Corredor do Lobito, projectos de energia solar.
Várias agências americanas, como o DFC, USAID e USTDA, estão a apoiar investimentos em infraestruturas digitais e serviços digitais em Angola.
E a frequência de visitas de responsáveis americanos a Angola e de angolanos nos EUA, aumentou. Portanto, Angola e o Ocidente estão a viver o momento de maior proximidade política desde que há registo.
O nosso país desempenha um papel crucial na estratégia do Ocidente para conter a influência da China em África (o que não soa nada bem tendo em conta o papel da China na nossa reconstrução num momento que o Ocidente nos virou as costas).
No entanto, é importante que Angola mantenha uma abordagem pragmática e prudente nas suas parcerias políticas e militares com o Ocidente, uma vez que nem sempre se mostraram confiáveis.
Os equilíbrios nas relações internacionais continuarão a ser fundamentais para o sucesso de Angola no cenário global.
A aproximação de Angola aos Estados Unidos e ao Ocidente, de uma maneira geral, deve continuar, mas com a devida cautela, garantindo que as parcerias respeitem a soberania nacional e não comprometam a capacidade de Angola tomar decisões autónomas em assuntos domésticos e questões-chave de segurança.
Embora os Estados e organizações ocidentais desempenhem um papel importante para os países subdesenvolvidos, nem todos os Estados africanos percebem isso ou conseguem manter relações sólidas com o Ocidente ao mesmo tempo em que mantêm relações robustas com outras potências, especialmente a China.
Angola deve buscar um equilíbrio delicado nas suas relações internacionais, para que os seus interesses nacionais sejam preservados, as suas capacidades de tomada de decisão sejam mantidas e para que possa explorar oportunidades de cooperação benéficas para o supremo interesse nacional.
A África, e Angola em particular, está no centro de uma competição geopolítica crescente e deve agir com sabedoria e pragmatismo para tirar o melhor proveito desse cenário complexo.
Por: HOTALIDE CORDEIRO DOMINGOS