Depois de várias teorias para explicar as razões do atraso nos níveis de desenvolvimento econômico, social e tecnológico em África, eis que vejo surgir uma nova corrente que atribui a culpa por esse atraso ao apego dos africanos à religião.
Muito recentemente, um pensador angolano comparou os países nórdicos europeus, que possuem dos melhores níveis de desenvolvimento e onde grande parte da população confessa não ser praticante de nenhuma religião, aos países africanos, grande parte deles em vias de desenvolvimento, mas onde a maior parte da população confessa ser praticante de alguma religião.
Noutro momento, alguém partilhou duas fotografias.
Na primeira, viam-se crianças asiáticas, numa espécie de fábrica, a montarem equipamentos eletrônicos e, na segunda, apareciam crianças africanas a rezarem num templo.
Assim, para esses pensadores, a conclusão é simples: África (ou pelo menos grande parte dela) é pobre e pouco desenvolvida tecnologicamente devido ao forte apego à religião, ao passo que, os outros países são ricos e desenvolvidos porque são maioritariamente ateus ou, no mínimo, religiosos não praticantes.
No entanto, os defensores desta corrente esquecem-se de justificar o crescimento de países como o Qatar, os Emirados Árabes Unidos, ou a Arábia Saudita que são altamente religiosos, mas, ao mesmo tempo, ricos e desenvolvidos.
E, a essa lista, posso acrescentar (entre tantos outros) o Vaticano, um dos países mais ricos e, simultaneamente, mais religioso do mundo, cujo líder é, tão somente, o líder da Igreja Católica.
Um outro elemento que me parece estar a ser ignorado pelos apologistas desta corrente é que grande parte dos países que hoje são ateus e desenvolvidos, sobretudo na Europa, nem sempre foram ateus; pelo contrário, durante muitos anos, mantiveram-se fortemente apegados à religião, tendo feito quase todo o seu percurso até ao desenvolvimento com a religião andando lado a lado com a política, a ciência e a economia.
É preciso ainda dizer que (talvez os religiosos não fiquem muito felizes), ao longo da história, a religião foi muitas vezes usada por uns, para dominar outros e, assim, promover seu o crescimento e o desenvolvimento.
E, aqui, é inegável o contributo que a religião deu às antigas potências coloniais durante o período da escravatura e da colonização.
Podemos então nos questionar: se a religião foi tão útil a esses povos porque razão a abandonam hoje?
E a resposta é simples: porque cresceram e desenvolveram.
A religião, tal como quase todas as crenças, prolifera em ambientes de escassez.
Quando as pessoas não encontram respostas científicas para os seus questionamentos, elas recorrem às crenças, e aos mitos.
E quando não encontram soluções para os seus problemas, nem mesmo para os mais simples, elas acreditam que só a intervenção divina as pode salvar.
Mas, à medida que a ciência e a técnica avançam, os mitos e crenças vão perdendo espaço e vez. Podemos assim concluir que, esses países não são desenvolvidos porque são ateus; pelo contrário, são, hoje, ateus porque desenvolveram e sabem que grande parte dos seus problemas podem e têm sido resolvidos sem o recurso à religião.
Em África, o processo é paralelamente oposto, não somos pouco desenvolvidos porque somos muito religiosos, somos muito religiosos justamente porque somos pouco desenvolvidos.
Qualquer pessoa que frequenta uma igreja (ou que já ouviu os seus inúmeros programas que desfilam pelas nossas estações de rádio) percebe o que é que grande parte dos fiéis procura nas igrejas: saúde, emprego, educação para os filhos, e protecção. Todos esses são bens públicos que noutras paragens são garantidos pelo Estado sem grandes dificuldades.
Em África, quase tudo o que se quer e se precisa requer milagres, desde uma vaga numa escola ao emprego, da segurança à justiça.
Por cá, a medicina ainda é um feitiço, como cantou Paulo Flores, e a prová-lo, estão as cinco mulheres que, num programa radiofónico foram agradecer ao pastor por este as ter livrado de infecções urinárias, depois de, segundo elas, terem já andado por vários hospitais, mas sem sucesso.
Vê-se, portanto, que as pessoas vão às igrejas pedir aquilo que devia ser responsabilidade do Estado.
Por isso, às vezes, imagino um Deus cansado de tantas súplicas para coisas que podem ser facilmente resolvidas com sistemas de educação, de saúde e economias funcionais.
Deus também deve estar cansado de ver surgir tantas igrejas, cujo único objectivo é enganar e explorar povos já carentes.
Acredito que Deus também tem ido à igreja, mas para suplicar aos Estados Africanos que construam umas estradas melhores, mais hospitais, mais escolas, que reforcem o policiamento, que criem mais empregos, que apostem na ciência e no conhecimento, e que repartam as suas riquezas de um modo mais equitativo.
Assim, as pessoas não mais irão à igreja apenas para pedir, mas talvez também para agradecer, até porque, a África, Deus já deu as maiores bênçãos: um povo batalhador, um clima bom, terras férteis, rios abundantes, e muitas riquezas minerais.
Então, porquê que não desenvolvemos? Talvez, ainda vamos precisar de outras tantas teorias.
Por: Sérgio Fernandes