O conceito universal de música, pelo menos aquele que os tradicionais dicionários da língua portuguesa consagram, é o de que é a arte de combinar harmoniosamente os sons por formas a agradar os ouvidos.
Partindo deste conceito, vê-se, claramente, que o objecto de trabalho da música é o som, o músico, normalmente, tem a responsabilidade de trabalhar o som, com o fito de criar emoção nas pessoas.
Já a literatura, de acordo com muitos teorizadores, é a expressão da arte verbal, a palavra trabalhada com o objectivo de despertar o sentimento do belo por meio da perfeição da forma e a excelência das ideias.
Assim sendo, a sua matéria prima ou seu objecto de trabalho é a palavra, escrita ou falada. Portanto, aqui, encontramos o primeiro laço de aproximação entre a literatura e a música, a verdade é que as duas são artes.
Nesta conformidade, surge-nos uma pergunta, por que são artes? Talvez optássemos por responder que são artes porque ao transmitirem ideias, sentimentos, emoções, recorrem a maneiras peculiares de o fazer, tais como: a predominância da conotação, da qual resulta a plurissignificação das palavras, desvio à norma linguística, preferência ao imaginário em detrimento do concreto, só para citar algumas.
Deste jeito, percebe-se, facilmente, que o género literário que sempre esteve unido à música é a poesia, cuja composição,normalmente, obedece a critérios que abrem a possibilidade de serem musicalizadas e depois cantadas.
E, na visão de Manuel Bandeira, a poesia está em tudo, tanto nos amores como nos chinelos, nas coisas lógicas como nas disparatadas a música e a literatura são duas realidades que caminham juntas, embora se distanciem no objecto de trabalho, mas, em termos de conteúdo, o que vale para uma, pode valer para outra, fim de citação.
Desta feita, se olharmos para os conteúdos de algumas músicas angolanas e nas composições literárias de muitos autores e escritores angolanos, verificaremos os traços que unem essas duas artes.
A música e a literatura no contexto angolano Antes de qualquer pronunciamento a respeito é importante realçar que a literatura e a música sendo artes, devem acompanhar as várias dinâmicas da vida social.
Por esta razão, em Angola, estão ligadas aos vários contextos históricos por que passou o país estando, por este turno, circunscritas nos inúmeros períodos marcantes da história de Angola, o qual destacamos os seguintes: período colonial, a luta de libertação nacional, a afirmação social da Angola independente e conflito armado.
Nestes períodos marcantes a literatura e a música sempre encontraram conteúdos para se afirmarem e consolidarem como artes defensoras, conservadoras e transmissoras de cultura e garantes da identidade angolana.
A produção musical do grupo N’gola Ritmos, formado em 1947 pelo músico Liceu Vieira Dia, tinha como objectivo preservar a cultura angolana e a elevação da cultura dos antepassados, bem como estabelecer a relação entre o campo e a cidade.
Assim como a literatura de António Jacinto procurou trazer ao de cima os ostracismos constantes ao homem negro no período colonial diante da tão apregoada portugalidade.
Portanto, não há dúvidas de que a música angolana seja a manifestação cultural mais saliente e mais apreciada e, por vezes, mais fácil de interpretar; diferente da literatura, que é uma arte bastante elitista, a música chega a ser mais difundida que a literatura, reparem que, na altura do nacionalismo angolano, mais propriamente com o surgimento da literatura de combate, alguns textos literários, sobretudo de Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto, Aires de Almeida Santos e de tantos outros escritores eram musicalizados.
Por que será que se fazia isso? Obviamente porque os autóctones não eram escolarizados, tudo porque o ensino, no período colonial, era elitista, basta olharmos para o conto o Mestre Tamoda (Uanhega Xitu), o poema a Carta de um Contratado (António Jacinto), Na Pele de Zito Maimba (Paula Russa) e a obra Colonizado e Colonizadores (David Raul) e outras obras que nos ilustram, minimamente, a problemática do ensino nesta época.
A música angolana, assim como a literatura angolana, fundamentam-se na tradição oral, que na perspectiva da professora Ana Mafalda Leite são instrumentos de detenção de africanidade.
E, esta visão da professora Leite, vem romper com o parecer depreciativo de muitos críticos literários, sobretudo ocidentais, que menosprezaram a literatura feita em Angola pelos angolanos.
O parecer da professora Leite, sobre a literatura Africana, encontra fundamentos nos estudos realizados por Héli Chatelain que afirmou, em 1889, que quanto mais conhecia os negros mais os amava.
E, hoje, nós negros, não nos amamos porque não nos conhecemos, ignoramos a nossa própria essência, se na era colonial eram os colonizadores que nos desvalorizavam a nós e a nossa cultura, porém, hoje somos nós mesmos que o fazemos.
Chatelain, na obra intitulada Gramática Elementar de Quimbundo, faz uma compartimentação de seis classes principais das manifestações culturais e na quinta classe estabelece a relação entre a poesia angolana e a música angolana, que vão de mãos dadas, baseadas em estilos épicos, bélicos, cómicos, satíricos, dramáticos e até religiosos, mesmo que a cada um não se atribua a mesma importância.
Óscar Ribas, diz-nos que a poesia anda nos povos africanos e está intimamente associada ao canto e na música a angolanidade pressupõe a utilização dos ritmos, melodias e outras expressões musicais que retratem o quotidiano angolano.
E na literatura é mesma coisa, o escritor deve abordar assuntos ligados à realidade angolana, devem retratar a nossa essência.
Por: LEOVIGILDO ANTÓNIO