A iniciativa de destituição de João Lourenço do cargo de Presidente da República tem levado a sociedade a supor que o MPLA pode ter os dias contados no poder e que, através do processo de destituição decidido em tribunal competente a UNITA pode chegar ao poder com a interrupção do mandato de João Lourenço.
Essa falsa expectativa não é apenas alimentada pela UNITA ao mobilizar os seus militantes e adeptos para encarar a destituição como uma ferramenta útil para o exercício da democracia como decorre também da falta grosseira de informação sobre os mecanismos constitucionais, processuais e até politicos que devem ser utilizados para desencadear essa destituição.
O facto é que ainda que João Lourenço venha a ser destituido do cargo de Presidente da República, a UNITA não terá nenhuma vantagem assinalável com esse acto.
A Constituição da República (CRA) deixa claro que em caso de vacatura do cargo do Presidente da República por força da sua destituição, o Vice-Presidente da República dá sequência do exercício das funções presidenciais até ao fim do mandato (artº 132º – CRA).
Nesse particular, a nossa ordem constitucional nem sequer prevê a possibilidade de convocação antecipada das eleições em caso do Presidente cessar o seu consulado antes do fim do prazo estabelecido para o seu mandato tal como muita gente ilusoriamente vai supondo.
Feitas as contas, em caso de destituição do João Lourenço, o MPLA continua no poder.
Não há alternância política nenhuma e o povo defendido pela UNITA acaba não tendo ganho nenhum com a iniciativa de destituição.
O que sobra de todo o exercício pomposo da oposição é o que os ingleses diriam “much ado about nothing” (muito barulho para nada).
O que leva a dar razão a Virgílio de Fontes Pereira, Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, quando ataca a UNITA dizendo que esta iniciativa não passa de uma obsessão da oposição em tentar o poder a todo o custo sem olhar para as consequências dos seus actos.
Então, se a UNITA e os seus apoiantes não ganham nada, quem tira proveito da destituição do Presidente da República?
Essa questão responde-se com o cenário que pode surgir com a possível destituição de João Lourenço.
E a questão sugerida é est’outra: o que é que acontece com João Lourenço em caso de vir a ser destituido?
É certo que, uma vez destituido do cargo de Presidente da República, João Lourenço poderá conduzir os destinos do país por “via remota” usando da sua qualidade de Presidente do MPLA.
Da confortável poltrona do seu gabinete no “Kremilin” (sede do parti do) poderá condicionar a actividade da Vice-Presidente que na verdade fica amarrada à obediência das suas ordens por fidelidade partidária.
Essa situação gerará um efeito de “férias” a João Lourenço que, estando longe do exércicio directo das altas funções de Estado, ganha mais tempo na sua agenda para cuidar dos seus netos e acompanhar a produção da sua fazenda.
Entretanto, o efeito mais marcante da destituição é a impossibilidade de João Lourenço voltar a concorrer a quaisquer outras eleições que venham a ser marcadas no futuro (artº 110º, nº 2, alínea h) da CRA). Ou seja, uma vez destituido, João Lourenço nunca mais poderá voltar a ser Presidente da República por força da actual Constituição da República.
Este efeito “castastrófico” que pode ser gerado pela situação de inelegibilidade superveniente a sua destituição só pode favorecer os militantes do MPLA que desejam “secretamente” substitui-lo promovendo uma nova figura que represente o partido dos camaradas no próximo turno eleitoral.
Diante deste facto, João Lourenço pode estar perante uma trama urdida nas hostes do seu próprio partido e, do mesmo modo, a UNITA pode estar a fazer o trabalho destes “camaradas” descontentes mobilizando os seus militantes e simpatizantes para este objectivo.
Desde logo, a fileira cerrada pelos deputados do MPLA à volta do seu líder, tentando afastar o espectro do pedido da sua destituição, pode ser uma falsa onda de solidariedade.
Para afastar a fumaça de suspeições sobre os possíveis efeitos adversos desta onda de solidariedade, João Lourenço precisa testar a fidelidade dos deputados do seu partido, esperando que reafirmem o apoio ao seu mandato no momento em que for votada a iniciativa da sua destituição do cargo de Presidente da República uma vez formalizada a iniciativa pela UNITA junto da Assembleia Nacional.
Aliás, sendo exigido que a iniciativa de destituição seja votada por pelo menos 2/3 dos deputados à Assembleia Nacional, que se traduz num mínimo de 146 deputados, impõe-se que o próprio MPLA participe, activamente, da sua votação para que o processo de destituição inicie junto do tribunal competente de acordo com a natureza dos actos impugnados.
O que quer dizer que a fase da votação da iniciativa de destituição do Presidente da República é um momento decisivo para testar essa fidelidade junto da bancada do MPLA e eliminar o fantasma da perseguição contra João Lourenço dentro das próprias fileiras partidárias dos “camaradas” que pode estar por destrás desta iniciativa.
Ao analizarmos a iniciativa da UNITA pelo ângulo de uma teoria da conspiração dentro do próprio MPLA, pode-se concluir que a obsessão do maior partido da oposição em destituir João Lourenço pode não ser tão irreflectida assim como se vem julgando.
Por: ALBANO PEDRO