É claro que, apesar da sua importância, a mudança de estratégia de luta política, por si só, não explica cabalmente o crescimento eleitoral da UNITA. Neste sentido, a popularidade da UNITA não deve ser apenas vista do ângulo da sua nova longa marcha, seja ela conduzida pela audácia e beneficiada pelo carisma do líder, seja ela potencializada pelo dinamismo do braço juvenil do partido.
Um outro ângulo de visão diz respeito aos deméritos do MPLA, cuja ilusão de invencibilidade não lhe permite notar que, devido a uma multiplicidade de factores que não vêm ao caso esmiuçar, a composição, a agenda e os modelos de mobilização e intervenção da sociedade civil sofreram mudanças.
E que essas mudanças, aliadas a uma maior socialização da política, impõe novas formas de interlocução com os cidadãos e, principalmente, de legitimação do poder, as quais passam necessariamente pelo consenso.
De facto, o MPLA sempre preferiu o uso de dispositivos de controlo e mando ao uso de mecanismos consensuais na relação com o conjunto dos actores sociais colectivos constituídos à margem da sua entourage e que, mal ou bem, representassem a capacidade de auto-organização dos cidadãos.
Em vez de instância relativamente autónoma, a sociedade civil continua a ser concebida através de uma gramática maniqueísta que distingue a verdadeira da falsa sociedade civil, que cria uma linha divisória entre a sociedade civil dos cultos ecuménicos e a sociedade civil dos “arruaceiros”, “lúmpens” e “bandidos”.
Por outras palavras, demonstrando não ter aprendido com os erros do seu passado recente, o partido dos camaradas teima em não compreender que Movangola e repressão policial a manifestações não são antídotos contra impopularidade, assim como AJAPRAZ, Movimento Nacional Espontâneo, Amangola e Processo dos 15+2 não o foram no tempo da outra senhora.
Acresce que as expectativas positivas criadas a propósito do combate à corrupção e da implementação das autarquias locais, dois dos mais relevantes compromissos assumidos por João Lourenço na campanha eleitoral e no seu primeiro discurso como Presidente da República, viram-se goradas ainda antes do culminar do primeiro mandato.
Ao princípio, o combate à corrupção gerou um amplo consenso, mas não foi um consenso cívico. Foi, isso sim, um consenso moralista, manchado de parcialidade e acertos de conta, tendo como força catalisadora o ressentimento de uma fracção contra outra no interior da elite partidária e governante.
Quanto às autarquias locais, são da ordem da evidência as contradições entre a retórica oficial e a acção governativa, tornando-se pouco disfarçável a vontade de conservar um velho paradigma de governação afeito ao autoritarismo do Estado e avesso ao envolvimento das comunidades locais na resolução dos seus próprios problemas.
Com isso, não é de estranhar que um número considerável de cidadãos, não sabendo o que queria, mas sabendo o que não queria, tenha, no dia 24 de Agosto de 2022, manifestado o seu descontentamento em relação ao que se dizia ser um “novo paradigma de governação”, quer através da abstenção, quer através do voto de protesto na UNITA. Tal sugere, por conseguinte, que a consagração da UNITA como opção ao MPLA não está, desde logo, assegurada.
Como em toda crise de hegemonia, o velho tem dificuldade de morrer e o novo tem dificuldade de nascer. Diferentes soluções podem emergir desse conflito dialéctico.
Se é verdade que, malgrado a entrada impetuosa, as manobras reformistas de João Lourenço foram, até então, incapazes de reverter a trajectória descendente do MPLA em termos de votos, como o demonstra a perda da maioria qualificada, nada garante que, até às próximas eleições, os camaradas não deixem de se iludir e venham, também eles, a adoptar uma nova estratégia.
É decerto desejável, para uma boa parte dos seus militantes e não só, que o MPLA consiga fazer mais e comunicar melhor, que as suas lideranças mais jovens ganhem coragem e assumam uma vigilância crítica relativamente aos descaminhos da governação e que a sucessão de João Lourenço dê oportunidade para o surgimento de ideias transformadoras e perfis imaculados, no intuito de, pelo menos, reconquistar parte da confiança perdida.
Talvez por isso mesmo se espere muito mais da UNITA, a começar pela formulação consequente das tarefas de transformação do país face às profundas mazelas do desemprego estrutural, da exclusão pré-escolar e da desigualdade escolar, da falta de habitação condigna e de acesso à assistência médica e medicamento de qualidade que afectam a maioria das famílias.
Pois, não basta enunciar promessas por meio de um contradiscurso que, não raras vezes, sucumbe ao que se pode chamar de apelo populista, como quando se associa, indistintamente ou sem mediação, descentralização político-administrativa e progresso social e económico, fazendo-se crer que, no dia seguinte à implementação das autarquias locais, os municípios conhecerão a tão almejada prosperidade. Salvo melhor opinião, a UNITA dispõe de um projecto de poder, mas não dispõe de um projecto nacional de desenvolvimento.
Ademais, como algumas análises comparadas apontam, o propalado programa do Governo Inclusivo e Participativo não propõe nada de substancialmente diferente daquilo que o programa de governo do MPLA propõe.
Para ser considerada alternativa ao MPLA, a UNITA precisa de apresentar uma visão de futuro realmente alternativa à ausência de horizonte emancipatório que tem caracterizado a governação.
Sem essa visão, prevê-se difícil romper a barreira do cepticismo e convencer a maioria dos angolanos, nomeadamente a massa de eleitores indiferentes, de que o exercício do poder pode ser mais do que a gestão de assuntos correntes e o contrário da captura do Estado por interesses de fracções de uma mesma elite partidária e governante.
1- Este texto foi elaborado no âmbito do projecto de investigação “Autarquias e Governação Local”, que se insere no Programa de Cooperação Angola-Noruega, intitulado “Melhorar o Ambiente de Investigação em Angola através do Desenvolvimento de Capacidades 2019-2024”, sob o patrocínio da Embaixada do Reino da Noruega em Angola.
A opinião nele expressa, no entanto, engaja única e exclusivamente o seu autor. 2-Investigador no Centro de Estudos Africanos da Universidade Católica de Angola.
Por: OSVALDO S. DA SILVA