No seu discurso inaugural durante a tomada de posse, o novo inquilino da Casa Branca afirmou que o dia 20 de janeiro de 2025 marca o início de uma era dourada dos Estados Unidos da América. Trump, na sua versão 2.0 vem colocar o basta, disparando contra o stablishment, declarando uma guerra aberta ao deep state e contra aqueles que se aproveitam dos EUA.
4 anos será suficiente para que a América viva uma era dourada? Terá Trump a varinha mágica que libertará os EUA do declínio progressivo em que têm vivido? Ao longo dos últimos 20 anos, os EUA têm vivido uma experiência caracterizada por uma aceleração progressiva do seu declínio, o que torna de facto uma realidade desafiante para quem quer que seja o presidente ou partido a governar (Democratas/Republicanos).
É um declínio que resulta da alteração nos valores e princípios fundacionais da República do Uncle Sam, que não será resolvido em 4 anos, sobretudo numa era em que a ordem internacional tende a ser cada vez mais multipolar.
Hoje é indubitável que a ordem liberal esteja em crise, a democracia já não é o governo do povo e para o povo, o governo hoje é de uma elite capitalista e globalista que capturou as instituições, transformando-as em estruturas rígidas e monolíticas ao serviço dos interesses de uma minoria rica.
Trump não é a solução, aliás é parte do problema que a América enfrenta hoje, é membro desta elite capitalista, vêse como os grandes empresários, oligarcas apoiaram a sua campanha, na sua tomada de posse reuniu 4 homens mais ricos do mundo cuja riqueza somada supera o PIB de muitos países africanos, europeus, asiáticos e latino-americanos.
Nos EUA, os ricos tornaramse cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres ainda. A desigualdade nos EUA é gritante e, como consequência, houve um declínio na esperança de vida dos cidadãos americanos.
Vale ressaltar que o fenômeno desigualdade é de preocupação mundial, porque afinal de contas a globalização atirou milhões para a pobreza, ela não foi justa e equilibrada entre as nações, tal como Joseph Stiglitz escreveu em “Globalização, a grande desilusão” ou como podemos encontrar nas lições do Capital no século XXI de Thomas Piketty.
Portanto, América continua poderosa, mas com problemas estruturais de ordem interna e externa que não serão solucionados em 4 anos, ou seja, é preciso rever os princípios e valores instituídos pelos pais fundadores face ao contexto atual.
Historicamente, os EUA, nas suas cerimônias de tomada de posse dos presidentes, não costumam convidar outros presidentes. Esta foi a primeira vez na história em que o presidente Trump convidou uma meia dúzia de Chefes de Estados e de Governos para a sua tomada de posse.
Os convidados parecem-me que são aqueles que comungam a mesma visão do ponto de vista ideológico, excepto o presidente Xi Jiping, que fez-se representar pelo seu vice.
Nenhum Estadista africano foi convidado, o que para uns constituiu motivos de debates entre os próprios africanos e até mesmo aqui em Angola, mas o certo é que, a par de conhecermos já a posição de Trump relativamente ao continente africano, normalmente os embaixadores acreditados nos EUA é que participam como representantes dos seus Estados se forem convidados.
O contexto atual é marcado pela segurança energética e disputas geopolíticas. Não prestar atenção à África é os EUA que saem a perder, porque afinal de contas é em África que todos estão correndo em busca do essencial para dar respostas aos desafios impostos pela transição energética.
Trump, ao anunciar que anularia uns tantos decretos de Biden, parece-me que isso despertou alguma preocupação por parte de uma franja da sociedade relativamente ao corredor do Lobito e à realização do fórum de negócios Angola-EUA.
Primeira nota, os compromissos são de Estados e não de presidentes. Segunda nota, os projetos empresariais não são aprovados por via de decretos, ou seja, o investimento no corredor do Lobito feito pelo consórcio Lobito Atlantic Railway não está alicerçado em decretos presidências, e não ó, é um projeto que traz vantagens para os EUA no controlo da cadeia de suprimentos de minerais críticos.
Não vejo o desengajamento no corredor e, se isto acontecer, não pode constituir motivo de grande preocupação para Angola. Por último, a realização em Angola do Fórum de Negócios AngolaEUA 2025 provavelmente não corre riscos de ser impedida pelo fato de ser uma iniciativa privada de empresários americanos promovida pela Corporate Council on Africa (CCA).
Normalmente, nestes fóruns, o governo americano procura dar um suporte, mas o mesmo suporte não condiciona a realização do fórum. É óbvio que, se o presidente Trump perceber que as empresas americanas ganharão alguma coisa, ele não deixará de apoiar a iniciativa. Provavelmente, o fórum não terá o mesmo endorsement que teria com Biden ou Kamala Harris, mas o que está em jogo são os interesses para tornar a América grande outra vez.
Por: Tiago Quissua Armando