Duas referências da imprensa portuguesa chamaram-nos a atenção no mês de janeiro do ano em curso. Vimos dois títulos que se destacaram, o primeiro diz: “Economia alemã contraiu 0,3% em 2023 mas escapou à recessão técnica”.
Segundo diz: “Economia chinesa cresceu 5,2% em 2023, um dos piores resultados em décadas”. São dois contrastes pouco compreensíveis. No sentido em que, o primeiro, nos apresenta uma economia que está a caminhar para o precipício, mas faz uma ressalva positiva.
Já a segunda, fala sobre uma economia gigantesca, que teve saldo positivo, superou inclusivamente as projeções feitas anteriormente, mas faz uma ressalva negativa. Exemplos como o acima exposto, existem aos montes.
Pois, seguem a narrativa da outrora famosa teoria de um colapso chinês iminente, tendo Gordon G. Chang como um dos principais defensores.
Esta teoria defende que a ascensão da China não é sustentada em bases sólidas, ou seja, a economia da China vai atingir a auge e, de seguida, entra em colapso, o que levou ao surgimento da expressão: “Pico da China”.
James H. Nolt, professor associado adjunto de relações internacionais na Universidade de Nova York, foi reitor fundador de uma faculdade internacional em Nanjing, China, e por 23 anos membro sênior do World Policy Institute em Nova York, é dos principais defensores desta teoria de um colapso eminente da China. O seu texto publicado no dia 4 de março 2024, na prestigiada Revista Time, é autoexplicativo.
No entendo, a realidade tem nos mostrado que todos os argumentos sobre o Pico da China estão sustentados em mitos ou meras narrativas para retirar a confiança dos mercados internacionais na economia da China.
Ao observar a vastidão do Mar da China Oriental, é impossível não traçar paralelos com a própria China. Assim como o mar, a economia da China é uma força poderosa, em constante movimento, moldada por correntes e ventos, mas sempre a navegar em direção a um futuro promissor.
Por esta razão, é fundamental falar sobre os mitos que sustentam a teoria do colapso eminente da China. No entender de alguns pensadores, destacando Wang Wen, os principais mitos são: Mito
1: O tamanho económico da China não superará o dos Estados Unidos; Mito 2: A crise imobiliária da China ameaça o impulso futuro do crescimento; Mito
3: O investimento estrangeiro está a fugir de uma China isolada, Mito 4: A taxa de desemprego na China provocará turbulência social, Mito 5: O envelhecimento da população da China significa declínio económico; e o Mito 6: O povo chinês não tem confiança no futuro.
No presente texto vamos focar em três mitos, que sustentam todas as narrativas.
Sobre o Mito 1, é sabido que a maior parte das projeções que se fazem atestam que o PIB da China ultrapassará o dos Estados Unidos até 2035.
Entretanto, muitos analistas, como o Holt, aventuram-se a sugerir que a China nunca excederá os Estados Unidos em volume económico total, tendo como justificação o facto de que a diferença entre o PIB da China e o a dos EUA aumentou nos últimos dois anos.
A verdade é que, conforme evidenciam os dados, em 2023, a China registou uma taxa de crescimento do PIB de 5,2%, enquanto os EUA ficaram com 2,5%.
O fosso cada vez maior entre os PIBs dos dois países pode ser atribuído a vários factores, mas principalmente à desvalorização do Yuan da China em relação ao dólar americano.
A economia real da China ultrapassa a dos EUA numa variedade de sectores: a produção de cereais da China, atingiu 700 milhões de toneladas, ultrapassa a dos EUA em 1,2 vezes, enquanto a sua produção de energia de 9,2 biliões de quilowatts é 2,3 vezes maior.
Os números de produção e vendas da China, totalizando 30,16 milhões de veículos, triplicam os da produção de aço dos EUA, elevando-se a 1,36 mil milhões de toneladas, superando os EUA em 19 vezes, enquanto a produção de cimento, com 2,23 mil milhões de toneladas, supera a dos EUA em 20 vezes.
A indústria de construção naval da China, com uma produção impressionante de 42,31 milhões de toneladas, excede a dos EUA em surpreendentes 70 vezes.
Em 2014, o Fundo Monetário Internacional calculou números com base na paridade do poder de compra (PPC), declarou a China como a maior potência económica mundial, deixando os EUA para trás. A grande questão é que o governo chinês não se importa se o seu PIB ultrapassa o dos Estados Unidos.
A foco é expandir internamente a sua economia. O Mito 2 tem sido a principal base para sustentar o declínio da China, usando o passado do Japão como exemplo.
Pelo facto do setor imobiliário continuar a ser um pilar crucial da economia chinesa, especialmente porque as projeções sugerem que, durante a próxima década, um número de 100 milhões de pessoas migrará para áreas urbanas, o que vai impulsionar a procura de desenvolvimento imobiliário.
Por isso, a diminuição da importância do imobiliário na economia da China está a gerar muitas preocupações legítimas, mas também muitas especulações que sustentar estes mitos.
Entretanto, o que é factual é que as vendas de habitação comercial caíram de 18 biliões de yuans em 2021 para 11,7 biliões de yuans em 2023.
Em contrapartida, o investimento privado da China também aumentou 9% em 2023 com as chamadas “três novas” indústrias em crescimento – energia solar, veículos eléctricos, e baterias – uma medida compensatória ao lento crescimento do setor imobiliário.
Neste caso, a indústria fotovoltaica registou uma expansão de 20% na última década, com uma dimensão de mercado de cerca de 2 biliões de yuans e mais de 50% da quota de mercado global.
Já os novos veículos eléctricos registaram vendas totais de aproximadamente 5 biliões de yuans no mercado automóvel chinês.
E, a China domina o mercado de baterias de lítio, com as suas empresas que ocupam seis posições entre os 10 maiores fabricantes do mundo de baterias de energia e tem uma quota de mercado de 62,6 por cento.
Em 2022, o valor acrescentado das “três novas” economias da China, aumentou para 21 biliões de yuans.
A mudança significa o afastamento da China de uma dependência mais tradicional do imobiliário como principal motor, embarcando numa trajetória de crescimento liderado pela inovação.
Já sobre o terceiro mito, os dados atestam que houve uma ligeira queda do investimentos estrangeiro na China em 2023.
Em todo o caso, este país atraiu espantoso 1,13 biliões de yuans em investimento estrangeiro, o terceiro maior influxo da história.
Embora as indústrias de mão-de-obra intensiva tenham registado um declínio de 8% no investimento estrangeiro, o sector de alta tecnologia arrecadou 423 mil milhões de yuans, um aumento de 1,2 pontos percentuais em relação a 2022. Em termos específicos, é o investimento dos Estados Unidos que diminuiu.
Pois, o investimento da França cresceu 25 vezes e o da Suécia 11 vezes. A Alemanha, Austrália e Singapura aumentaram os seus investimentos em 212, 186 e 77 por cento, respectivamente.
Assim como o Mar da China Oriental, a economia chinesa é uma força da natureza, em constante movimento e adaptação. Com um planeamento cuidadoso e uma bússola firme, a China continuará a navegar em direção a um futuro de crescimento, prosperidade e desenvolvimento sustentável.
Por isso, a China está a investir pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, para impulsionar a inovação em áreas como inteligência artificial, biotecnologia e veículos elétricos.
Essa ênfase na tecnologia não apenas impulsionará a produtividade e a competitividade das empresas chinesas, mas também abrirá caminho para novos setores e oportunidades de crescimento. Portanto, a China reconhece que o crescimento global é fundamental para seu próprio sucesso.
O país continuará a se abrir ao comércio internacional, a expandir as importações e promover a integração regional.
A Iniciativa Cinturão e Rota, por exemplo, é um projeto ambicioso que visa conectar a China à Ásia, Europa e África através de uma série de investimentos em infraestrutura. Para, expansão interna da sua economia é a prioridade nos próximos tempos.
Por: EDMUNDO GUNZA & HOTALIDE DOMINGOS