Está escuro, como antes do mundo, mas se fizermos um esforço, pequeno que seja, conseguimos ver o ser sentado na poltrona do quarto. Esse daí é o Leonor, filho de alguem, irmão de ninguém e pai de alguns. É culto, muito culto. Apresento.
Chegou de viagem não faz 24h. Sentou-se na poltrona e leu um livro que o ensinou a não saber nada. Optou inteirarse sobre a divisão administrativa de Luanda, leu tudo a respeito e adormeceu tentando encontrar razões que justificassem a proposta dos camaradas.
O dia amanhece e tudo fica claro tal como quando nos esforçamos para obter um novo conhecimento. Leonor se levanta e opta higienizar-se. Tira da mochila que trouxe uma camisa branca, umas sandálias e um calção azul.
Veste-se e ao sair percebe que o calção evidencia demais as suas pernas torneadas. Não é uma peça digna para o local que ansia dirigir-se. Retorna e veste uma calça jeans, mas amarrotada.
Sai e dirige-se à igreja. No interior ocupa o primeiro banco da segunda fila, na ala direita. Vê surgir um senhor baixo, gordinho, trajando uma camisa branca e um calção azul.
Com o rosto animado, o senhor senta-se junto de Leonor e este, inquieto, mira para o senhor a examinar como se quisesse assegurar-se de que não era miragem sua.
Tendo concluído a vistoria, Leonor lança os olhos para a gente à sua volta e percebe que todos trajavam peças que cobriam as pernas e os ombros, excepto o senhor gordinho. Intrigado, Leonor mira para o senhor e pergunta-lhe: — Irmão desculpa, porque traja calção num local tão sagrado como este? — Meu jovem, Deus não se importa com o exterior das pessoas, ele importa-se muito mais com o interior delas.
Não é um corpo bem trajado que interessa a Deus, interessa-lhe o traje da nossa alma. — Que traje é esse? – perguntou Leonor. — O traje que a tua alma não tem, porque você se recusa vesti-lo. — Como assim, não percebo! — Meu jovem, Deus quer ver almas trajando devoção, bondade, respeito, perdão e tolerância. Se quiseres um lugar no reino de Deus, deves deixar de preocupar-se com o seu exterior. — Mas o senhor acha que podemos vir na casa de Deus de qualquer jeito? — Sim, acho, tanto que vim.
Desde que eu não esteja evidenciar a minha nudez, posso! Tanto que quando Deus cobriu Adão e Eva não lhos disse que deveriam usar calça ou calção. Pensativo, Leonor pensou fazer outra questão, mas o padre pediu a todos que se levantassem para entoação de louvores e orações.
No final do culto, bem perto da saída, o senhor gordinho aproximou-se e quase em murmúrio disse no ouvido de Leonor: — Eu sei porque vieste, eu vi o modo com que te entregaste em oração. Deus te ouviu e Ele vai, do seu jeito torto, escrever um bom final para ti. Enquanto se dirigia a saída, Leonor ouviu alguém chamá-lo. — Irmão Leonor, a sua esposa aguarda por si na sala do Padre. — Minha Esposa! — Sim.
Acompanhe-me por favor que eu explico. No interior da sala Leonor viu seu filho cassula ao colo da mãe gritando papá. Aproximou-se e questionou. — O que fazem aqui? — Viemos na casa do senhor assim como tu. — Sim, mas porquê fui aqui chamado? — Para pedir que te desfaças dessa falsa devoção, pois um verdadeiro devoto não mente, não foge a família, não vive para agradar os homens, mas vive para agradar a Deus. — Não sei o que queres com isso dizer. — Quero dizer-te que a tua nova namorada já sabe que tens uma família. Eu e o Sr. Padre fazemos questão de lhe contar. Está a chorar, o Padre foi ajudá-la a acalmar-se.
Por: Dito Benedito