Em casa, sento-me e fico a olhar a ilusão do mundo a cair sobre a minha cabeça.
São coisas que não me sinto imperioso a ver, é o país ou talvez as pessoas que isso fazem comigo.
Estou aqui, aqui todo sentadinho para tentar entender onde é que essa ilusão vai ganhar um parágrafo ou um ponto final.
Sendo hoje, o dia dos humanos irem ao lugar santo dobrar os joelhos a pedirem que lhes mimoseiem mais um pouco de paz ou algum pão na mesa, eu, distraído que sou desta prática, decidi abandonar a casa para me sentar em algum bar e mandar alguns líquidos no peito.
Fiquei com os olhos distante do telemóvel porque não queria que alguma coisa viesse mudar o meu estado emotivo bem neste dia que me tento libertar das makas que a pátria nos joga à cabeça. Bebia.
Os ouvidos estavam todos jogados à conversa dos jovens ao lado que humoravam o momento. Tive esse privilégio de gargalhar como nunca mais fiz desde que o inferno me começou a barulhar a cabeça.
Para vos ser sincero uma vez na vida, se até aqui continuo no processo da respiração, é porque soube que o dono não me quer ainda receber a sua vida.
À medida que o tempo no relógio minusculizava, a conversa ganhava asas. Segundo um, todos que vivem próximo do cemitério, sem dúvidas, são pessoas mortas.
Pousei uma vírgula nas minhas gargalhadas, enfiei a concentração dentro da cabeça. Percebi então eu ser uma pessoa morta — por exemplo — para os que me conhecem, sabem que tenho a minha morada próximo do cemitério.
Soltei uma gargalhada forte para ironizar a vida. Afinal, estou aqui para me desligar das encruzilhadas da vida e viver ainda um dia de alegrar o corpo.
Continuei. Dei o último gole da garrafa para depois ter de pedir outra. Puxei a coragem e questionei a um dos jovens que não sabia virgular as suas falas. — desculpe, você sempre fala assim, muito e à toa, às vezes ? Talvez me soube respostar.
– Meu amigo, eu falo muito não para mostrar que sei mais que os outros, pelo contrário, falo para que as pessoas me possam corrigir quando uma falha em mim vier atrapalhar o meu discurso.
É assim que se faz a vida. [pronto, o cara tem razão.] Encontro-me ainda sentado à mesa do bar.
Nesta época, como sabem, é impossível distanciar – se do telemóvel. Quebrei a minha promessa. Levei os dedos à conexão de rede com a máxima intenção de receber alguma novidade literária. A primeira mensagem a registar no ecrã foi a da minha aluna — Professor, como está?
Sei que não vai acreditar, mas é essa verdade: A Lambi decidiu deixar-nos porque não mais aguentava. E, professor, nem sequer mediu a dor que atravessaria nossos peitos.
Neste momento, perdi as cordas vocais, não sei se choro ou CHORO. [Terminei de ler a mensagem.] A dor ganha um volume maior quando a morte bate à porta de alguém que estava totalmente enterrado (a) em nós.
Olhei para as pessoas que estavam ao meu lado e disse – lhe apenas o necessário: AMO VOCÊS. Os outros jovens sabiam que era impossível amar alguém que não o conhecemos –explico– acabo de perder hoje uma menina que nunca teve problemas com a pátria, por isso é o tempo de eu amar todos. Só não amei ela com outro amor porque sabia que não faz parte do sigilo profissional.
A dor, a raiva e todo vazio que há em mim , meus, já não me permitem agora sequenciar com parágrafos que pintariam o que sinto e o que realmente a pessoa foi para nós. As pessoas devem agora ser mais humanas e amar até quem nunca nos amou.
Lambi da Graça, que outro dia pedi que o nome dela fosse minha personagem, meteu – se a rir e disse: «se a vida não for injusta comigo, vou-me ler, aliás vou ler o meu nome a ser homenageado. Agradeceria muito, professor!» Não acredito. Agora acredito que Lambi alugou uma nova morada. É NOSSA VIZINHA QUE AGORA VIVE NO SILÊNCIO.
Por: AV VAYENDA